Astulica - Mãe eu estou precisando comprar uma sandália nova, a que eu tenho já é a terceira vez que quebra e não dá mais para colocar o prego para segurar.
Adália - Filho vá falar com o seu pai para ver se ele compra, você sabe que não trabalho e também dependo dele. Ele está no bar do Tião. Mas vá com calma, você sabe como seu pai é agressivo quando bebe.
Astilica - Certo, mãe, vou falar com ele.
Então Astulica dirigiu-se para falar com o seu pai e aproveitou para apreciar a paisagem sofrida do sertão nordestino: casas de taipas com cachorros tão magros à porta que dava para ver as costelas dos pobres animais e um sol para cada habitante da pacata cidade. A chegada ao bar do Tião foi rápida, ele ficava a uns 100 metros da casa do garoto, o qual já contava com 17 anos na época. Chegando ao local ele viu o seu pai cercado de supostos amigos, claro que supostos, era o pai dele que pagava a conta de toda a bebedeira com eles. Tinha cinco homens com ele, mas na hora de pagar a conta, apenas um pagava, o seu Raimundo, o pai do garoto. Astilica - pai, preciso falar com senhor. Raimundo - vai para casa menino, não vê que estou ocupado me divertindo com os meus amigos? Astilica - sim, eu vejo. Mas seria preferível não ver. Estou precisando de dinheiro para comprar uma sandália nova, a minha quebrou e já está quase na hora de ir para a escola. Raimundo - não tenho dinheiro. Astulica - não tem dinheiro para a sandália, porém tem dinheiro para bancar toda essa bebedeira. Raimundo - respeita o teu pai, menino. Então seu raimundo tira o cinto da sua bermuda e dá duas lapadas nas costas de Astulica e o garoto começa a chorar, mas não pela surra e sim por saber a triste verdade: nunca pode contar com o apoio do pai. O pai era para ele como um estranho, nunca tiveram um momento de diversão juntos. O garoto se sentia órfão de pai. Mesmo com as lágrimas correndo pelo rosto, mesmo com sua alma sangrando por dentro ele busca força para falar o que tem que ser dito, o que estava preso em sua garganta por uma vida toda. Astulica - Quero que escute uma coisa, meu pai, este teu filho aqui nunca mais vai te pedir nada. Vou caminhar por mim mesmo e conquistar cada passo dado por meus próprios méritos. Mas não por orgulho ou vaidade, apenas para que possa ver o meu valor, valor este que não me foi dado. Sabe qual é o meu maior sonho, Sr. Raimundo? É ter um pai. Não apenas um figurante que ocupa uma lacula em determinada cena. Eu quero um pai-coadjuvante, participativo, e que me acolha quando eu precisar. Eu vou embora, pai. Vou para a capital me alistar no exército. Não é isso que você sempre quis, um filho militar? Então o garoto sai correndo, do bar do Tião, sem direção definida, ele não sabe para onde quer ir, ele apenas quer esconder o seu rosto do mundo.
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O recruta
General Fictionquando um garoto acanhado e extremamente tímido de uma cidade do interior resolve servir o exército brasileiro na capital, o que será que pode acontecer?