Eu tive um sonho essa noite, o primeiro depois de muitas noites vazias. Na verdade, eram fragmentos de uma lembrança, minha e do Toby. Sabia que isso significava saudades. Óbvio que sim. E eu realmente sinto falta dele.
Ajeito a câmera e a foco, então flutuo até a parede e pressiono o botão de gravidade artificial. Logo sinto meus pés se fincarem no chão, geralmente não uso a gravidade artificial, afinal quem quer ficar preso ao chão no espaço? Mas para meu cabelo, esse era um ato necessário. Caminho até o espelho, devagar para não perder o equilíbrio, então solto meu coque e abro o compartimento retirando meu pente, desembaraço meu cabelo e o jogo por cima dos ombros. Paro um segundo observando a leves curvas que os fios castanho-claros faziam caindo pelos meus ombros. O cumprimento havia aumentado desde a última vez que havia parado para reparar.
Volto na câmera ficando na frente dela, ajusto-a para começar a gravar e me sento no banco quadrado e branco preso ao chão.
- Aqui é Hannah Brooks, estudante nível Escarlate da BEAP, número de identificação 447273, reportando da espaçonave Itrus. Esse é o meu vídeo registro número 74 e o número 4 desde o incidente. – faço uma pequena pausa sem desviar o olhar da lente, falar em voz alta só deixava tudo isso mais surreal do que já era, e isso sempre me dá um nó na garganta. - Faz quase dois meses que estou à deriva no espaço em uma galáxia ainda não mapeada. Tudo me leva a crer que meus registros e anotações não estão sendo enviadas para o conselho, o que me deixa com menos esperança de pensar que as pessoas acreditam que eu esteja viva. Pelas minhas contas a cápsula de escape da Itrus deve voltar à Terra dentro dos próximos três dias. Enquanto eu estou aqui, presa em algum... Lugar.
Agora é a parte em que faço papel de boba, que não tenho mais o que dizer, não tenho informações para dar, não sei onde estou e já informei todos meus planos de racionamento nos outros registros, também não consegui nenhum avanço quanto aos painéis. Levanto e desligo a câmera, volto a sentar no banco e afundo o rosto entre as mãos bufando.
~><~
- Ei! Isso é trapaça! - grito para Toby já irritada.
- Claro que não, eu apenas sou um melhor atirador. -Ele exclama mostrando a língua para mim.
Como resposta aperto o gatilho da pistola d'água acertando seu rosto, caio na gargalhada assim que ele faz uma careta em reação com a água fria, saio correndo para que ele não me pegue.
Percebo que ele me persegue, o que me faz rir mais ainda. Até que ele me alcança, acabamos por tropeçar e cair na grama. Olho para ele sorrindo e, dessa vez, quem mostra a língua sou eu, ele empurra de leve meu braço até que escutamos a porta da frente abrir, meu olhar curioso segue até o local e vejo meu pai sair, uniformizado.
Levanto em um pulo e corro até ele.
- Papai! – falo alto antes de pular no colo dele, que me segura nos braços.
Ele sorri e beija minha testa. Estava saindo à serviço, deveria ficar uns três dias fora de casa. Passo o dedo pelo seu crachá, "Brooks", enquanto ele fala com minha mãe que está logo atrás dele.
Ele me põe no chão e vê Toby, logo bagunçando seus cabelos. As coisas dele já estavam no carro, então ele bate uma continência para nós dois, que o imitamos da melhor forma que conseguimos.
- Nos veremos logo, futuros astronautas – ele diz com um sorriso de canto.
Então ele se despede de minha mãe com um beijo e segue para o carro. Assim que seu carro some na esquina, ela entra novamente. Já eu e Toby corremos para parte lateral do jardim da frente, indo pelo corredor externo até os fundos. Passamos pela piscina e a churrasqueira, logo chegando ao caminho de pedras e finalmente na árvore. Nossa árvore.
Ele sobe primeiro e para na plataforma me esperando.
-Vai para casa agora? – pergunto parando ao seu lado.
Ele olha por cima do ombro, para a outra ponta da plataforma, a outra escada, que dava direto para o jardim da casa dele, do outro lado do muro do jardim da minha.
- Posso ficar mais um pouco – ele afirma com um sorriso.
Dessa vez eu subo primeiro a segunda escada até nossa casinha, entro e me ajoelho na janelinha olhando em direção à oeste, onde logo teria o pôr do sol. Sinto Toby se juntar e apoio a cabeça nele. Ficamos conversando sobre coisas aleatórias como sempre, inclusive sobre o que ele iria fazer no aniversário de dez anos dele e no que eu iria fazer no meu de oito, até que o Sol se põe.
Descemos até a plataforma e nos despedimos, cada um desce suas respectivas escadas e vai para casa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Escarlate Master
Science FictionEste romance conta a história de Hannah que, em um mundo futurista, faz parte de um programa para futuros astronautas. Por conta de um problema, em uma atividade prática, Hannah fica perdida no espaço, deixando sua família e seu melhor amigo para tr...