Único

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Já faz algum tempo que isso está acontecendo comigo.

Não sei como começou, não lembro de ter olhado no calendário o dia ou visto a hora no celular, mas antes que eu percebesse, todas as noites eram iguais.

Era somente eu desligar as luzes do quarto, deitar na minha cama e me aconchegar embaixo dos lençóis que eu me via parado na porta, olhando direto para mim. No início achei que pudesse ser uma alucinação, corria para acender a luz... Mas a versão bizarra de mim mesmo sumia como fumaça, não deixando o menor vestígio.

O meu espectro era idêntico a mim, mas não se mexia. Seus olhos eram de vidro e seu corpo parecia ser uma estátua, porém as cores eram reais. Não era um fantasma. Era uma versão de mim mesmo, em carne e osso, só que sem alma.

Pelo menos era isso o que eu achava.

Como ficava parado na minha porta, ele impossibilitava a minha fuga para o quarto dos meus pais, o que me fazia apenas me enfiar embaixo das cobertas e rezar a noite inteira. De hora em hora eu tirava a minha cabeça debaixo dos cobertores, entretanto eu ainda estava lá. Parado, imóvel, frio como pedra. Mas incrivelmente seus olhos, por mais inertes, estavam sempre fixos em mim. Cada mínimo movimento que eu fazia era acompanhado, eu conseguia sentir eles me seguindo pelo quarto.

Era assustador. Eu não tinha nem forças para gritar, tamanho era o pavor. Só queria me esconder e fugir. Quando amanhecia, ele ia embora e com o sol chegava a minha paz. Somente desse jeito eu conseguia descansar depois de uma noite inteira tremendo. Era assim noite após noite. Não ousava contar para ninguém porque tinha medo que me julgassem, chamassem de louco e me internassem. Eu tinha o sonho de terminar a escola para entrar em uma faculdade de Medicina, como poderia me formar se estivesse preso em um sanatório? Era melhor deixar isso para lá, talvez fosse apenas o estresse do pré-vestibular. Por alguns segundos, acreditei que aquilo que havia acontecido tivesse sido apenas aquela noite, mas por algum motivo, a versão assustadora de mim mesmo continuou voltando.

Eu não dormia mais. Mudar de quarto, dormir na casa de amigos, nada adiantava. Na soleira da porta, de qualquer lugar que eu estivesse, o meu corpo me observava com frieza, sem qualquer expectativa. Eu ficava tão apavorado que não tinha coragem nem de dar um pequeno cochilo durante a madrugada. Sentia que precisava ficar alerta, as rezas não faziam efeito e não havia nada que pudesse me proteger.

Mas talvez eu estivesse reclamando cedo demais. Talvez eu tivesse que agradecer quando ele ainda estava na porta.

Porque agora, a cada noite que passa, ele está mais perto. Começou indo para o meio do quarto, para a escrivaninha de estudos, para o tapete... Ele se aproximava um pouco mais cada vez que aparecia e eu ficava tão apavorado que não conseguia nem mais piscar.

Ontem ele apareceu ao lado da minha mesinha de cabeceira, sentado na poltrona. Pude vê-lo de perto, seus olhos negros e sem vida, a única coisa que contrastava comigo, já que tenho olhos verdes e brilhantes. Ele estava tão perto que podia praticamente sentir sua presença por debaixo dos meus lençóis.

E especialmente hoje eu estou mais apavorado do que os outros dias.

Porque depois da poltrona, o mínimo passo que ele der, o fará chegar direto na minha cama.

Eu talvez não devesse me preocupar com isso, talvez não aconteça nada, mas não consigo evitar de gritar enquanto sinto as minhas próprias mãos por cima do cobertor me acariciando suavemente, antes de arrancá-los de mim com força.

Olhos NegrosWhere stories live. Discover now