Sala 3

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Não existe coisa mais clichê do que acordar cedo numa segunda-feira e reclamar da vida. Dessa vez foi diferente. O despertador fez de novo o drama das 6:00 e a preguiça veio competir comigo. O.K. mantive a calma, me estiquei, cantei "Bom dia, sol" e fui pro banheiro. É sempre aquele empasse, aquela água gelada que desce rasgando as entranhas... Ignorei também, eu estava lá, mas minha cabeça se encontrava mesmo era na primeira aula da escola nova e nas pessoas novas que eu só iria ver passar. O novo sempre me foi encorajador, mas ao mesmo tempo receio, é a fusão dos dois lados da moeda. Depois do café, entrei no carro, liguei Amy nos meus fones e apaguei da realidade.
- Carissa, onde está sua bolsa? - perguntou meu pai na metade do caminho.
- Carissa?
-Carissa! - berrou
- O que, pai?
-Você é surda ou só se faz mesmo?
-Mas, pai, eu tava com o fone.
-Sonsa! Onde está sua bolsa?
-Meu, Deus! Eu esqueci em cima da mesa.
- Pois agora você vai ficar na escola sem bolsa, ta me ouvindo?! Eu poderia te dar uma surra agora, menina burra.
É claro que eu não respondi àquilo, não iria deixar um desaforo estragar meu dia, já não bastasse todos os constrangimentos desses quinze anos. O Instituto Neves era grande, e a curiosidade também. Sem minha bolsa nas costas a corcunda saltava, o que realçava o ar de diferentona que eu sempre tive. A passos largos e desajeitados eu procurava por minha sala, eram muitas portas e muitos rostos. Mas criei coragem pra perguntar.
- Licença, onde fica o 1o A?
- Bom dia. Corredor C, a primeira à direita.
- Bom dia, obrigada.
Nem perguntei o nome do garoto, é assim que se mantém a distância. Segui as "coordenadas", e bati na porta. Para a minha surpresa, a sala já estava ocupada, o professor com o pincel na mão e eu com a minha cara de Amélia sem nada.

- Licença. É aqui que é o 1o C?
- Bom dia. Não, querida, é a segunda sala à esquerda.
- O.K. Obrigada.

Organização e comunicação naquela joça eram luxos sem dúvida. A sala estava vazia ou quase isso. Tentei ficar ereta, escolhi uma cadeira - no fundo, é claro! - e ali fiquei. Um frio na barriga me ocorreu naquele momento, o que era estranho, pois eu havia passado por tanta gente e não senti nenhum mal estar até ali, prova de que as coisas estavam mudando. Olho para o lado e vejo nada mais, nada menos que um garoto olhando freneticamente para mim - é claro que eu iria dar na cara dele não é mesmo?!... Bem, não exatamente.

- Bom dia.
- Olá, Bom dia! É novata ou repetente?
- E você, é repetente ou novato?
- Pô, vei, sou repetente.
- Você acha que eu tenho cara de quê, novata ou repetente?
- Ah, sei lá! Me diz aí.
- Se ocupe com com isso agora de manhã.
- Novata?
Saí de supetão, meninos são o cúmulo da existência, nunca tive paciência e eu também não sou obrigada a aturar repórter. Vocês que socializam... Não vejo motivo. Fui ao banheiro liberar o estresse, estava muito apertada. Voltei para o meu lugar, da onde eu prometi não levantar mais.
O resto da turma era um vazio cheio, pessoas fragmentadas em expressões repetitivas e nada chamativo, mesmice. Para a minha surpresa, a primeira aula era de matemática, a disciplina que sempre me intrigou.
- Bom dia, turma! Eu sou o professor João Paulo e neste semestre estarei com vocês e nossa colega matemática - professores e suas piadinhas nem um pouco criativas...

- Bem, gostaria agora que cada um se apresentasse, pra gente começar a se entender.

- Pedro - disse um
-Nícolas.
- Eva.
Os outros foram falando a droga do nome, mas esses três foram os que me chamaram a atenção. Eu tinha fé que eles fossem os menos descartáveis.

- Carissa Machado - eu disse. Sempre adorei meu sobrenome.

- Bem, agora que já nos conhecemos, abram o livro na página 8...

O blá blá havia começado. Na hora do recreio, fui até o refeitório, me enchi no fast food e segui para a biblioteca, corredor A, sala 3. Era de fato fascinante, eu sempre tive uma repulsa por livros e seus ideais, mas havia ali algo especial, aquelas prateleiras imploravam para serem descobertas, as capas sussurravam bem baixinho o que a minha falta de atenção nunca me permitiu fazer: leia-me. Talvez eu tivesse realmente déficit de atenção, mas meus pais nunca me levaram num especialista da área, sempre acharam bobagem e gasto. De qualquer forma, me permiti escolher um, estava lá no final, me chamou a atenção à primeira vista o título curioso: Apenas Faça

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⏰ Last updated: Sep 20, 2016 ⏰

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CarissaWhere stories live. Discover now