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P.O.V Harry:
New York, 08:00am
Minha cabeça parecia ter cinco vezes o tamanho real e pulsava junto com meu coração. Minha boca tava seca ao ponto de parecer que eu tinha jantado areia e meus olhos pareciam estar sendo arrancados com os raios de sol invadindo meu quarto.
Com muita relutância, me sentei na cama e comecei a vasculhar todo o cômodo, buscando o maior número de lembranças possível.
O quarto de Camila parecia uma versão menos pastelão de algum clipe da Katy Perry; adolescentes e jovens adultos jogados aos cantos, amontoados em bolos de braços, pernas e cabelos desgrenhados. Camila respirava pesadamente ao meu lado com o rosto encoberto pelos cabelos.
Não consegui me lembrar de muita coisa, então logo desisti. Mais uma manhã normal na nossa vida, e a ultima manhã das nossas férias.
Me levantei, andei até o banheiro dela, molhei o rosto e me encarei no espelho. Eu só queria morrer.
Enchi a banheira e me permiti ficar bons minutos de molho na água morna, hora tragando meu cigarro, hora bebericando um suco que fiz questão de deixar extremamente doce. As lembranças da noite de fato não voltaram, mas eu podia sentir minha pele ardendo em vários pontos em contato com a água. Um dos pontos que ardia era a parte lateral interna da minha coxa direita, haviam ali três riscos e era evidente que foram provenientes de um arranhão. Eu ainda só queria morrer.
Me enrolei na toalha mais próxima e fiz o caminho até meu quarto. Todos permaneciam no mesmo lugar e assim ficaram mesmo quando liguei o secador de cabelo.
Deixei o apartamento e desci de elevador até a portaria.
- Bom dia, Ramon - soltei ao passar pela cabine do porteiro, que aparentemente assistia algum episódio de Two Broke Girls.
- Tenha um ótimo dia, Dr. Styles - ele respondeu quase mecanicamente.
Meu quarto período em medicina estava pra começar e até ali eu não achava possível me acostumar a ser chamado de doutor.
Dizem que New York é a cidade onde os sonhos se realizam, eu sempre senti isso. Sempre tive essa fixação por cidades grandes onde pessoas passam apressadas por mim, milhares delas. Cada pessoa correndo está correndo atrás de alguma coisa, cada uma dessas pessoas já sofreu e já chorou de felicidade, cada uma tem seu passado e sua história. Estar de pé naquela rua era como estar em uma biblioteca maior que a de Alexandria...
Depois de minutos nesse devaneio clichê, voltei a andar apressadamente até chegar no Starbucks da esquina.
Eu tava tendo orgasmos tomando meu Frapuccino preferido e destruindo três muffins. Como se isso não fosse bom o suficiente, a porta balançou e entrou um garoto alourado, mais baixo que eu e com uma bunda digna de Naya Rivera. O maldito não satisfeito em ser um pedaço do mau caminho, me fez o favor de se enfiar dentro de uma calça branca com suspensório.
Tenho certeza de que minha boca ficara aberta enquanto eu o observava fazer seu pedido.
Depois de pedir, ele saiu do balcão e varreu o ambiente com os olhos, e que olhos, passou por mim e me encarou por talvez três segundos. Se sentou em uma mesa longe e pegou o celular no bolso. Eu só precisava esperar até que o pedido dele ficasse pronto e lhe gritassem o nome, o que pareceu durar uma eternidade, até que...
- Othello - gritou o balconista, fazendo com que várias pessoas olhassem em volta, inclusive ele.
Pra minha surpresa, ele se levantou e foi até lá buscar o embrulho fazendo o caminho de volta e sentando na mesma cadeira onde estava.
Ou eu fazia alguma coisa ali, ou não faria nunca mais. Peguei meu Frapuccino até a metade, levantei e caminhei até a mesa dele, puxando uma cadeira e lhe sorrindo.
- Não é seu nome real, é?
- Não mesmo - ele me respondeu sem nem ao menos me olhar.
- Você mora aqui? - tentei continuar algum diálogo, recebendo silêncio como resposta.
Ele parecia concentrado na tela acesa do aparelho, não desviando o olhar nem pra comer.
- Já entendi seu jogo - comecei - me deixe falar umas coisas sobre você. 
Sua resposta foi uma leve bufada.
- Você é novo aqui e não quer fazer amizades porque provavelmente alguém te sacaneou de onde você vem, então você  pegou esse nome porque provavelmente ouviu na televisão, vestiu sua roupa mais provocante e veio passear só pra ter o prazer de ser antipático, mas me olhou por um bom tempo quando entrou.
- Linda leitura, devo admitir - foi a única coisa que ele disse quando eu me calei, ainda com os olhos no smartphone.
- Eu nunca erro.
- Não disse que você estava certo, eu disse que foi lindo. Seu cabelo está com a metade seca e a outra encharcada, o que atraiu o meu olhar. Se juntar o cabelo mal penteado e sua camisa vestida do avesso, eu poderia  presumir que saiu de algum lugar às pressas, mas sua bebida está com confeito extra e todo esse açúcar só pode ser pra curar uma ressaca. Sua jaqueta tem a estampa da sua faculdade, e eu sei que as aulas lá retornam amanhã. Então você foi a uma festa no penúltimo dia de férias, onde conseguiu esse roxo no pescoço durante alguma sessão de sexo selvagem. Por acaso passou pela sua cabeça de garoto irresponsável e mimado que eu daria confiança pra esse papo barato? - ele despejou de uma só vez e sem me olhar.
Pegou sua bebida na mesa e passou por mim em passos firmes na direção na saída.
- Você por acaso tem nome? - tentei.
- Sim, tenho - ele respondeu antes de alcançar a rua.
Minha cabeça tinha um misto de vergonha e choque. Mais uma vez naquela manhã eu só queria morrer, mas não podia, precisava me preparar pra uma festa de foder o núcleo da Terra.

Blue Neighbourhood   L.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora