– Será que se eu também buzinar o congestionamento some?
Eu me perguntava isso cada vez que chegava àquele ponto da cidade. O barulho das buzinas causando uma sensação de caos, um desespero para me mover. Mesmo aqueles que não estavam com tanta pressa assim a adquiriam. Como eu.
Lentamente venci o acesso da Avenida Beira Mar e enfim...
Vermelho.
– Droga!
Lembrei que não tinha pressa, mas ficar parada, mesmo que no sinal, é algo inadmissível nos tempos de hoje... Pressa. Mesmo sem tê-la, tenho que dar a impressão que a tenho.
Suspirei. Não que o vermelho fosse algo horroroso, até gostava. Mas, naquele momento, era a cor de que eu menos precisava.
Precisava menos ainda daqueles "artistas de rua". Será que não percebem a desconexão existente entre minha necessidade de chegar ao meu destino e suas habilidades inúteis?
– Merda!
A única palavra que consegui gritar no momento em que o menino com rastafári jogou para cima um pequeno cone colorido e deu uma cambalhota antes de pegá-lo novamente.
Contei os segundos, sabia o passo seguinte.
Peguei uma nota de cinco reais que estava no console do carro, coloquei no chapéu velho que o outro me ofereceu, como se aquilo fosse apressar o Grand Finale, que se estendeu por mais alguns segundos.
A sensação de alívio, de dever cumprido se instaurava. Como dizia Raul Seixas: "o auge do meu egoísmo é querer ajudar".
Verde!
Acelerei em direção àquilo que considerava realmente importante.
Cheguei ao escritório cedo, mas a eficiente senhora Hermínia já estava lá, no seu posto. Me olhou com aquele olhar de quem está prestes a bater continência, mas se limitou a um "bom dia". Como sempre, não esperou minha resposta, levantou-se e me estendeu o envelope amarelo:
– A doutora Diana deixou algumas orientações para a audiência de hoje e pediu que a senhorita comunicasse a ela o resultado imediatamente após o término.
Por pouco não fui eu que bati continência. Sempre a temi, desde o primeiro dia que entrei naquele escritório, mais de 12 anos antes.
– Tudo bem, dona Hermínia, farei isso.
– Solicitou também que a senhorita acompanhasse de perto os processos em que o doutor Henrique e o doutor Gabriel estão trabalhando, principalmente os contratos do MF Estaleiro.
Suspirei e apenas fiz sinal com a cabeça, pois já estava concentrada em abrir o envelope na minha mão. Sabia o que significava acompanhar de perto: elas não tinham segurança nos dois estagiários contratados para dar apoio em alguns casos do escritório. E, quando se tratava dos negócios do senhor Roberto Ávila, era pior ainda.
Ia fechando a porta da minha sala quando ela interrompeu:
– Doutora Maria Cristina...
Odiava quando ela me chamava de Maria. Suspirei e esperei que ela continuasse.
– Sua... Digo, a senhorita Mirella ligou e não deixou recado.
Mesmo assim compreendi a mensagem de Mirella, pois a ausência de recados significava muito naquele momento.
– Obrigada.
Fechei a porta e me concentrei no dia que teria pela frente, pois Diana e Inês haviam viajado de férias e me deixado a responsabilidade do escritório, o que para mim era fácil. Advogados, estagiários, clientes, juízes... Nada para o qual eu não estivesse preparada. Difícil era dar conta de todas as plantas, gatos e cachorros que elas tinham em casa. Apesar da ajudante que tinham, exigiram veementemente que eu fosse todos os dias ver como eles estavam. Inês me convencia sempre com chantagem emocional:
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LUAS DE MARIAS
General FictionNo inesperado encontro de vidas tão distintas, o maior obstáculo é a diferença de mundos, objetivos e ideologias. O sinal vermelho é o suficiente para parar Cris - impaciente, mas obediente. Do lado de fora, sem regras, Maria está sentada na calçad...