Prólogo.

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Atrasada

Eu estava atrasada outra vez. E talvez, pela última vez. Duvidava muito que o senhor Miles me desse outra chance. Aquele já era meu décimo atraso apenas naquele mês. 

É eu estava ferrada. Totalmente ferrada, e precisava do dinheiro para pagar o aluguel da quitinete e os livros da faculdade. 

Minha mente era povoada por desculpas que poderia dar ao senhor Miles sobre esse atraso. Talvez dizer que a culpa fosse por causa de um colar que fiquei admirando em uma loja até perder a noção do tempo não fosse resolver. 

Eu passava por aquela rua todos os dias, mas nunca havia reparado naquela loja. Era pequena e aconchegante, e tinha um ar místico, algo que eu não conseguia explicar. Diminui o passo, apenas para poder ver no interior da loja; havia um mostruário frente a janela, onde um lindo colar era exposto.  

Era um diamante em forma de lágrima, delicado e pequeno. Fiquei encantada, admirando-o. Se parecia muito com um que minha avó teve em sua mocidade, antes de suas coisas serem doadas para a caridade.  

— Por que não o leva, criança. - A voz soou da porta da loja e eu levei um susto, saltando sobre o lugar. 

Voltei os olhos para a direção da voz, encontrando com uma senhora que me sorria gentilmente. Tinha os cabelos grisalhos soltos e longos, formando cachos por todo comprimento e um sorriso misterioso aos lábios. Seus olhos eram azuis, de um tom cristalino e límpido.  

— Não tenho dinheiro. - Revelei com pesar.  

Eu realmente não tinha o dinheiro para levar o colar. Estava em New York para estudar e todo o dinheiro que recebia na livraria do senhor Miles era para pagar as despesas do apartamento e dos livros, eu não poderia me dar ao luxo de outra conta. 

— Leve-o, menina. - Insistiu, se aproximando de mim. 

Vestia um vestido todo desenhado, mas não conseguia identificar os desenhos.  

— Mas senhora... - Tentei, mas ela me calou ao levar as mãos. 

Suspirei e a segui para dentro da loja. Senti um arrepio subir por minha espinha quando adentrei a loja. O interior era tão excêntrico quando a vendedora, repleto de objetos estranhos e coisas que eu não conseguia identificar. 

— Sente-se. - A senhora pediu, indicando uma cadeira e eu prontamente me sentei. 

Observei-a ir até o mostruário, pegando o colar e retornando a mim com ele em mãos. De perto, era ainda mais bonito e delicado, uma peça única e rara. 

— É lindo. - Vi-me elogiando, arrancando um sorriso da senhora. 

— É sim, criança. E já trouxe muito sofrimento ao mundo. Um dia, um rei matou sua rainha por causa de um colar e cruzou o mar verde atrás de redenção, mas os demônios o aguardava do outro lado... - Contou, sombria, mas eu acabei ignorando aquele fato no momento. 

Estava mais fascinada com o brilho do colar naquela luz difusa. Se pelo menos eu tivesse prestado atenção na história que contava.  

— Não entendi o que disse. - Falei, levantando os olhos para os seus. 

— Um dia vai entender, criança. - Sorriu-me pesarosa. - Espero que entenda, vai precisar. 

No fim, aquela conversa estranha não fez sentido algum e eu levei o colar. 

Mas quando saí da loja, percebi que o tempo havia se alongando e eu estava atrasada. Saí correndo pelas ruas, desviando dos outros e evitando encontros que pudessem me atrasar ainda mais. 

Suspirei profundamente ao alcançar finalmente a avenida principal. Aguardei junto a todos as outras pessoas que desejavam atravessar. De onde estava era capaz de ver a pequena loja de livros aberta, mas não havia sinal do senhor Miles. 

Desejei por um momento que ele tivesse contraído um resfriado forte e que estivesse de cama e que fosse a senhora Miles que estivesse ali hoje. Ela aceitava minhas desculpas mais fácil e perdoava meus atrasos. 

Foi quando a cabeça grisalha do senhor Miles surgiu na janela que todas minhas esperanças foram por água abaixo. Ele parecia nervoso e seu olhar estava fixo em mim, mesmo que houvesse uma avenida inteira entre nós e pessoas ao meu redor. 

Engoli em seco e tentei me esconder atrás de um senhor gorducho de terno, mas os olhos do senhor Miles ainda queimava sobre mim, dizendo que aquele seria meu último atraso. 

Eu poderia dizer adeus ao meu tão sonhado curso de Literatura, dizer adeus ao minha tão sonhada New York e ao meu pequeno quitinete. 

O sinal se abriu e os carros pararam de circular pelas ruas a frente. As pessoas se moveram e fui levada junto. Estava no meio da rua quando senti meus joelhos travarem. Meu cérebro entrou em pânico e meus membros tremeram, senti minha visão embasar. 

O que aconteceu depois fora muito rápido para que eu pudesse acompanhar. Em um momento estava tendo um ataque de pânico sobre a pressão de abandonar tudo aquilo que amava e no outro estava sendo lançada para o outro lado da avenida. 

Mas eu nunca alcancei o asfalto.  

Uma luz cresceu ao meu redor, e percebi que vinha do colar em meu pescoço. Fechei os olhos com pressa, sentindo o mundo inteiro girando e girando. Ouvi, ao longe, um riso crescendo, ecoando por meus ouvidos, um riso melancólico e frio, que causou-me arrepios.  

Foram minutos que pareceram eras, mas quando tudo se acalmou, senti o chão às minhas costas e o riso sumir, sendo substituído pelo sussurrar do meu nome. 

— Isobelle.  

Eu tentei abrir os olhos e procurar pelo dono da voz, mas a inconsciência me alcançou e eu fui entregue a confusão.

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