Era uma sexta a noite e, como sempre, eu estava sozinha. Sozinha. Essa palavra ecoa na minha mente, sendo um constante lembrete da minha situação atual. Sem ninguém. Era isso que eu era. Andar na rua a noite não parece tão ruim, penso comigo. Assim como um inseto, que se guia pela luz da lua na escuridão, eu não era tão diferente. O que me difere de um inseto? A pergunta era um incomodo, porque eu não conseguia saber a resposta. A única coisa que eu sabia, era que não havia mais esperança. Não pra mim.
Caminho lentamente, incerta do caminho, até encontrar minha vítima. Um carro. Era grande, espaçoso e luxuoso. Com minhas roupas já rasgadas, me jogo no chão, sem esforço, causando um hematoma no meu braço. Doeu? Sim, mas fazia parte. Eu sabia os riscos, e convivia diariamente com eles. No chão, eu já podia sentir as luzes do farol refletidas nos meus olhos, me cegando. Como sempre, o carro freia, parando alguns metros na minha frente. Eu sabia que o momento certo havia chegado. Era a hora de fazer o que eu fazia de melhor: enganar.
- OH, MEU DEUS! Uma voz ecoou na escuridão. Com o braço na frente do rosto, tapando as luzes, consigo identificar a vítima: uma mulher loira, aparentemente 30 anos, em bom estado. Eu conseguia sentir de longe o cheiro do seu perfume chique e caro, Channel, talvez? Não sei. Mas ansiava por aquilo, desde pequena. A riqueza era um sonho distante. Acordo de meu devaneio e vejo a mulher em pé, parada a minha frente, com um semblante preocupado. Ela estende a mão pra mim, me olhando com certo desprezo, o qual eu também pude notar em sua voz.
- V-você está bem?
Ela pergunta, talvez com medo de receber um processo, mas por que alguém rico como ela se importaria?
- Não...
Não olho pra ela. A primeira regra para ser uma trapaceira é NUNCA olhar nos olhos da vítima. Por que? Os olhos são como uma passagem para enxergar a alma. E você não deve e nem pode saber como a alma da vítima é. Triste, feliz, sombria, apaixonada, depressiva, louca. Sentimentos não são nada além do reflexo da alma, e confie em mim, eles são um empecilho enorme.
Lágrimas saem automaticamente dos meus olhos. Tudo parte da encenação, Finjo estar assustada, e a mulher se sente mais culpada. Estava tudo acontecendo como previsto.
- V-você se machucou? Eu tenho dinheiro, posso pagar...
Ela abre a carteira e puxa algumas notas, tentando empurra-las para mim, como se eu fosse algum tipo de sem teto. Fixo meus olhos no chão, fazendo meu cabelo cair sobre o rosto e falo choramingando
- Eu... eu quero minha mãe. Você... Você sabe onde ela está?
Levo uma de minha mãos ao olho, limpando as lágrimas que caiam constantemente. Algo nelas parecia diferene. As lágrimas eram reais. Me assusto e me arrasto pra trás, tendo alguns flashbacks sobre minha mãe. Era verdade. Eu a queria e não sabia onde ela estava. Eu estava perdendo tempo, as emoções viriam cedo ou tarde pra me atrapalhar. Já era hora de finalizar esse trabalho.
- Me ajuda...
Minha voz soa como um sussurro, que parecia hipnotiza-la.
Ela se abaixa, lentamente, e retira uma mecha de cabelo que cobria meu rosto.
- Querida, vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem? Vadia, nada vai ficar bem. Num movimento rápido, a empurro, fazendo ela cair de bunda no chão frio da estrada coberta pela escuridão. Corro até seu carro, dando meia volta e a deixando ali. Sorrio levemente, enquanto dirijo, pela adrenalina talvez, mas algo naquela adrenalina me fazia sentir bem. Eu me sentia livre, sendo o que realmente sou. Sinto um aroma doce e a fim de encontra-lo, abro o porta luvas, encontrando um vidrinho de perfume Channel . O pego e borrifo com delicadeza em meu pescoço. Eu estava pronta pra retornar a minha cidade. Minha amada cidade.