Capítulo 6

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À medida que a noite caía mansamente, Annie esperava sentada na cama, numa espécie de quieto desespero.

No instante seguinte à saída de Andreas, vestira-se às pressas, abotoando todos os botões da camisa, do primeiro ao último, consciente de que era um cuidado inútil e ridículo.

Depois, imóvel na cama, prestou atenção aos ruídos que vinham do quarto dele. Ouviu o barulho do chuveiro e, algum tempo depois, a porta se abrir e os passos dele no corredor. A despeito de si mesma, encolheu-se mais, com o olhar fixo na maçaneta, antecipando o momento em que Andreas entraria no quarto. Entretanto, ele passou ao largo, sem a menor hesitação, e desceu para o andar térreo.

Dali a mais ou menos uma hora, o aroma irresistível de carne grelhada chegou até ela, lembrando-a, sem piedade, de quantas horas tinham se passado desde que comera um modesto sanduíche.

Correu a língua pelos lábios secos. Era uma rematada tolice ficar ali encolhida, sabendo que não havia como fugir dele. Tentara empurrar a penteadeira contra a porta, porém o peso do móvel antigo, maciço, estava acima de suas forças.

O mais sensato seria sair da toca e ir ao encontro dele, na expectativa de achar um jeito de persuadi-lo a mudar de ideia ou pelo menos adiar sua sina por mais uma noite. Annie torceu as mãos com nervosismo. Não fora muito esperto de sua parte enfurecê-lo, jogando-lhe na cara um perfume dispendioso como aquele; contudo, não podia dizer com honestidade que se arrependia do que fizera.

Ocorreu-lhe então que o mais sensato seria manter a hostilidade entre eles. Era fácil contrapor sua raiva à dele, mas quando Andreas se aproximava e tocava seu corpo... aí começava o perigo real.

A lembrança do momento em que a tomara nos braços e a levara para o quarto provocou-lhe um arrepio. As mãos dele tinham roçado seus seios por um breve instante, mas fora o bastante para deixá-la surpreendentemente excitada.

Decidindo-se por fim a sair, percebeu que Andreas deixara a porta do quarto aberta e o lampião aceso. Hesitou, pensando se deveria apagá-lo, e então deparou com o molho de chaves sobre a penteadeira. Eram chaves de carro, constatou com incredulidade. E já estava estendendo a mão para pegá-las, quando se deu conta de que não tinha onde escondê-las. Se as levasse para seu próprio quarto, Andreas poderia dar falta delas, entretanto, se as deixasse onde estavam e esperasse até ele dormir, não seria difícil roubá-las e fugir. O único problema era o maldito cão. Não ouvira sinal dele desde que Andreas chegara, mas isso não queria dizer que não estivesse lá fora, pronto a avançar caso fizesse algum movimento em falso.

Quando chegou ao terraço e encontrou Andreas diante de uma churrasqueira portátil, ocupado em assar dois suculentos bifes, ficou satisfeita consigo mesma por ter deixado as chaves do jipe onde estavam.

— Kalispera — ele disse, pressentindo-lhe a presença.

— Boa noite — ela respondeu, aparentando serenidade.

— A comida está quase pronta — falou ele, indicando um lugar à mesa, onde uma travessa com uma apetitosa salada e uma garrafa de vinho tinto esperavam.

— Estou vendo — ela fez uma pausa. — Parece que fui rebaixada de meu posto de cozinheira.

Ele sorriu com um olhar enigmático.

— Não se deve confiar numa cozinheira temperamental. Quem sabe você pode ter saído para passear pelas montanhas e encontrado cicuta...

— Com este "cão dos infernos" que me arranjou como companhia? — indagou com voz suave. — Além disso, Kyrie, não sou temperamental. A propósito, onde está Cérbero?

A vingança (autora Sara Craven)Onde histórias criam vida. Descubra agora