0.1: Asas em Suspenso

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A vastidão do céu que se estendia diante de Lauren parecia eterna, como se o próprio tempo se desdobrasse em suaves camadas de nuvens acolhedoras e nuançadas. Elas flutuavam em tons neutros, variando entre o branco perolado e o cinza suave, formando um manto silencioso que refletia a paz ininterrupta do reino celestial. O ar era impregnado por uma sensação de leveza, e os anjos que habitavam aquele plano moviam-se graciosamente, com asas brancas que refletiam a luz difusa. Havia uma harmonia inquebrável entre eles, cada um irradiando uma pureza quase inalcançável.

Mas Lauren não compartilhava da mesma tranquilidade. Mesmo cercada por essa perfeição etérea, seu coração estava sempre inquieto. Cada batida parecia ecoar o vazio de algo ausente, algo que ela ansiava desesperadamente encontrar, mas que ao mesmo tempo a apavorava.

Ela estava sentada na beira de uma nuvem, olhando para baixo, para o mundo dos mortais. O horizonte abaixo tremeluzia, como se sussurrasse segredos aos ouvidos atentos daqueles que ousavam ouvir. A vista era, de fato, bela.

"A vista é linda," pensava, observando as formas distantes e as cores que mudavam levemente com o passar das horas. O sol, com seus raios dourados, dava um toque de vida ao que parecia intocável. "Daqui, posso ver os amantes do tempo, aqueles que desafiam a passagem dos dias, que encontram eternidade nos pequenos momentos..."

Uma tristeza profunda dominava seu olhar. Havia um desejo, uma esperança, mas também o medo. Lauren suspirou, baixando os olhos. Ela queria estar lá embaixo, com eles, os amantes do tempo, aqueles que tinham coragem de amar e desafiar a própria mortalidade. "Queria ser uma amante também... quem sabe, encontrar minha amante perdida?"

Seus dedos roçaram as penas de suas asas com delicadeza, sentindo a suavidade que ela tanto temia perder. Havia algo naquele toque que sempre a trazia de volta à realidade: o medo. A altura do céu não a assustava por si só, mas a ideia da queda, da perda de suas asas, de sua identidade celestial, era um pesadelo recorrente.

"Mas não posso partir daqui," refletia em pensamento, o coração apertado. "É tão alto, e não quero cair..."

O medo a mantinha presa, confinada àquela nuvem confortável, enquanto seu desejo a puxava em direção ao desconhecido. Ela sabia que, se deixasse suas asas a levarem, poderia encontrar algo — ou alguém. Mas o preço era alto demais. A queda era certa, e perder suas asas significava perder tudo.

"Já disse que tem uma altura?" A angústia lhe sufocava. "Nós, anjos, não deveríamos temer as alturas, mas eu temo... temo a dor da queda, temo perder minhas asas..."

Ela fechou os olhos, imaginando como seria, por apenas um momento, encontrar sua amante perdida. Sabia que ela estava lá, em algum lugar entre as sombras e a luz do mundo inferior. Mas... e se não fosse assim? E se a queda fosse o fim? As asas, acopladas firmemente em suas costas, eram sua âncora, sua salvação, mas também a fonte de seu maior tormento.

"Estou com medo, alguém está me tirando daqui!" Seu coração batia mais rápido, e a sensação de aprisionamento tornava-se mais real a cada dia. "Sinto-me presa a esse lugar. Não quero perder minhas asas... eu só quero encontrá-la, minha humana perdida, e ser feliz."

Ela balançou a cabeça, afastando os pensamentos que insistiam em puxá-la para o abismo de suas emoções. Talvez fosse apenas seu destino ser uma observadora. Talvez nunca conhecesse o amor que imaginava, aquele que preenchia seus sonhos com visões de uma figura indistinta, sempre presente em seus devaneios.

No entanto, algo em seu íntimo gritava que havia mais. Ela apenas precisava de coragem para deixar o medo de lado.

Lauren levantou-se da borda da nuvem, fechando os olhos uma última vez antes de abrir as asas e sentir o vento leve que corria entre as penas. Os outros anjos voavam acima dela, plenos em sua glória, seus risos flutuando pelo ar como uma melodia distante. Eles eram perfeitos, assim como suas asas imaculadas.

Mas Lauren se sentia diferente. Incompleta.

Ao longe, ela observava o céu escurecendo levemente, como se o próprio horizonte estivesse hesitante, e, na penumbra do crepúsculo, viu as silhuetas de dois amantes — ou assim parecia. Eles se moviam com tal sintonia, que ela quase podia sentir a eternidade pulsando ao redor deles.

"Os amantes do tempo..." murmurou para si mesma, com um toque de poesia em sua voz suave. "Amam sem medo da mudança, sem medo da perda. Amam como se o tempo fosse uma dádiva, e não um ladrão de momentos."

Lauren sonhava em ser como eles — uma amante que atravessava os séculos, que não temia as alturas nem as quedas. Que amava livremente, sem correntes, sem dúvidas.

Mas, enquanto estivesse presa ao medo de perder suas asas, ela sabia que esse sonho continuaria a ser apenas isso: um sonho.

O que Lauren ainda não sabia é que sua alma não estava destinada a permanecer no céu. O encontro que mudaria sua existência estava mais próximo do que imaginava. E quando olhasse para seus próprios medos, talvez fosse o amor que lhe oferecesse as respostas que tanto procurava.

No entanto, para encontrar sua amante, ela precisaria enfrentar a verdade que tanto evitava: Ela não era uma simples mortal.

E, no primeiro passo dessa jornada, Lauren teria que descobrir se estava disposta a perder tudo para ganhar aquilo que seu coração desejava.

𝕬𝖓𝖏𝖔𝖘 𝕿𝖆𝖒𝖇𝖊𝖒 𝕮𝖆𝖊𝖒 [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora