0.2: O Chamado da Queda

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A imensidão do céu se estendia em uma serenidade quase palpável, onde nuvens suaves e aconchegantes vagavam lentamente, criando um cenário de calma absoluta. Cada brisa carregava a melodia da harmonia celestial, e a paz parecia imutável — exceto no interior conturbado de Lauren. Enquanto ao seu redor tudo exalava tranquilidade, sua alma se debatia, presa em uma inquietude profunda, ansiando por algo além daquela perfeição imaculada. Seus olhos se voltavam para o horizonte, onde o reino dos mortais pulsava em um ritmo caótico e fascinante, distante, inalcançável, assim como as emoções que ela tanto tentava entender.

O som das asas batendo suavemente ao longe não a tranquilizava. Seus dedos corriam novamente pelas penas de suas próprias asas, seu toque era nervoso, tenso. A leveza daquela plumagem branca contrastava com o peso de seu medo. A cada dia que passava, o desejo de encontrar sua alma gêmea, sua amante perdida, crescia, mas com ele também crescia o temor de cair.

Foi então que, entre as nuvens, ela a viu.

Lauren paralisou. Seus olhos fixaram-se em uma figura no plano mortal, distante, mas brilhante em contraste com o restante do cenário. Ela nunca havia sentido tal impacto ao ver alguém — não assim, não tão de repente. Seu coração, que sempre parecia ressoar em um ritmo calmo e constante, acelerou. Era como se o mundo tivesse parado naquele instante.

"Hoje foi a primeira vez que a vi," pensou, seu olhar incapaz de desviar. "Seu cabelo negro descia em cascatas onduladas, tão perfeitas, quase como se as próprias estrelas tivessem esculpido aqueles fios."

O vento, mesmo no céu, parecia responder a esse momento, carregando uma brisa suave que envolvia Lauren em uma sensação de expectativa. Era como se algo estivesse prestes a mudar para sempre. E, no fundo, ela sabia que essa visão, essa mulher misteriosa, seria a responsável por essa transformação. "E seus olhos... chocolate profundo, intenso, capazes de hipnotizar qualquer alma, até mesmo uma alma condenada. A luz que emanava deles era... divina."

Os lábios da desconhecida eram rosados, delicados, e Lauren sentiu algo que nunca havia experimentado antes: desejo. Um desejo que consumia, que queimava, e que deixava sua mente confusa e ansiosa. Ela não entendia o que estava acontecendo consigo mesma. Anjos não deveriam sentir isso, não com essa intensidade.

"Estou perdida," pensou, incapaz de controlar o turbilhão de emoções que a envolviam. "Estou vidrada nela. Estou me apaixonando."

Mas o amor, sabia Lauren, era tanto uma bênção quanto uma maldição. Ele trazia consigo o medo da destruição, do fim, da perda. Seria possível que esse sentimento tão novo fosse sua ruína? Seria possível que esse desejo a levasse à queda?

"Será que o amor repentino pode se tornar minha destruição?" Lauren murmurou, o medo misturado com a esperança. Nunca havia sentido algo assim, algo tão forte. O que ela faria agora?

A resposta veio antes que ela pudesse processar seus próprios pensamentos. Ela tinha que encontrá-la. Tinha que conhecê-la, ouvir sua voz. Essa mulher, quem quer que fosse, não podia ser ignorada. Era como se suas almas já estivessem entrelaçadas, e a ausência da outra a deixava incompleta.

"Preciso encontrá-la," decidiu, sua determinação se firmando. "Preciso de contato, tenho que ouvir sua voz..."

Mas para isso, Lauren teria que descer ao mundo mortal. Precisaria enfrentar seu maior medo: a queda. O ato de deixar seu lugar no céu significaria um risco imensurável, e a simples ideia de perder suas asas a aterrorizava. Contudo, algo dentro dela dizia que esse encontro era inevitável. Não havia escolha. Havia uma força maior em ação, uma força que a empurrava para aquele encontro.

"É isso que farei," decidiu, sentindo a angústia crescendo dentro de si. "Irei ao seu encontro. Preciso descobrir seu nome. Ela parece um anjo, mas... há algo mais nela, algo... demoníaco. Um demônio belo e sedutor."

Por um instante, uma dúvida a invadiu. Seria possível que essa mulher fosse um perigo disfarçado de tentação? E mesmo assim, Lauren não conseguia acreditar nisso. "Não, ela é delicada demais para ser algo assim..."

Lauren abriu suas asas, hesitante. O vento em torno delas parecia mais forte agora, como se o céu estivesse resistindo à sua decisão. Mas ela não podia mais ficar ali. Era um risco que estava disposta a correr. Com um último olhar para as nuvens familiares, ela se lançou para baixo.

A princípio, a sensação era libertadora. O ar cortava suas asas enquanto ela despencava dos céus, aproximando-se cada vez mais do mundo dos mortais. A descida, no entanto, rapidamente deixou de ser um voo gracioso. O peso de sua decisão começou a se manifestar em sua alma, tornando a queda mais rápida, mais descontrolada.

"Não quero cair, não quero perder minhas asas!" O pânico tomou conta dela. Seus pensamentos se misturavam ao medo, mas já era tarde demais. O céu, que sempre a mantivera em segurança, agora a empurrava em direção ao desconhecido. Ela sentiu o vento cortar sua pele, seus olhos lacrimejavam pela velocidade. Seus pulmões pareciam incapazes de absorver o ar necessário.

E então, a dor. Um choque violento atravessou seu corpo quando suas asas, antes tão firmes e confiantes, começaram a perder a força. A cada batida, o desespero aumentava. Lauren gritou em silêncio, suas lágrimas misturando-se com o vento.

Quando finalmente atingiu o chão, seu corpo parecia vazio. Ela havia caído. O medo de perder suas asas se concretizava, mas, surpreendentemente, elas ainda estavam lá, embora feridas.

"Agora estou na Terra..." A realidade da queda ainda girava em sua mente. Ela sentiu a firmeza do chão sob seus pés e olhou em volta, tentando se localizar. Era um lugar estranho, o cheiro da Terra era pesado, úmido, tão diferente da leveza do céu.

Mas seu coração só tinha um pensamento: encontrá-la. "Vou ao encontro da minha morena perdida."

Ela não precisou procurá-la por muito tempo. A figura que a assombrava estava ali, ao longe, mas perfeitamente visível. Quando os olhos de Lauren a encontraram, ela parou. Suas mãos tremiam, seu corpo inteiro congelou. "Olho para ela e... travo. Humanos não podem me ver. Não recebi tal permissão."

Ela queria se mover, queria chamar por ela, mas não sabia o que fazer. No entanto, o inesperado aconteceu. A jovem se virou. Seus olhos, tão profundos quanto antes, agora estavam fixos diretamente nos de Lauren.

"Parece um engano... mas ela está me vendo."

A surpresa foi tão grande que Lauren quase caiu de novo. Como isso era possível? Humanos não podiam ver anjos, muito menos aqueles que haviam caído. E, no entanto, os olhos da jovem estavam cravados nela. E, então, um sorriso.

"Ela sorri para mim..."

Aquela simples ação fez o coração de Lauren disparar. Ela quase não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Por que aquela mortal podia vê-la? E por que ela sorria de forma tão familiar, como se soubesse algo que Lauren não sabia?

A jovem começou a se afastar, saindo do lugar onde estava, mas antes de desaparecer, olhou uma última vez para Lauren, quase como um convite, um sinal para segui-la.

"Ela se afasta do local onde estava... e mais uma vez, olha para mim como um sinal para segui-la."

Lauren não hesitou. Mesmo com seu corpo dolorido pela queda, seus pés a levaram automaticamente na direção da mulher. As árvores altas e antigas formavam um corredor natural, e o som de seus passos parecia ecoar em suas próprias dúvidas. O céu estava longe agora, e tudo o que restava era a incerteza.

A jovem, porém, seguia em frente. Até que, subitamente, ela parou. E, com o mesmo sorriso misterioso, virou-se mais uma vez.

"Ela para de repente... se vira em minha direção e sorri."

Lauren, sem saber o que a aguardava, parou também. A tensão no ar era palpável. Algo estava para acontecer.

𝕬𝖓𝖏𝖔𝖘 𝕿𝖆𝖒𝖇𝖊𝖒 𝕮𝖆𝖊𝖒 [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora