A história não contada

104 6 1
                                    

Era o aniversário de 15 anos de Cristalya, e como era tradição no seu cardume ela poderia finalmente chegar perto do continente.  Assim, naquele dia, ela e mais algumas sereias debutantes iniciariam uma longa viagem. Cristalya estava tão feliz que, enquanto se despedia do resto do cardume tudo parecia mais bonito e a areia - aos seus olhos -  brilhava como se bilhões e bilhões de diamantes a compusessem.

Depois de muito tempo nadando todas aderiram um ritmo mais suave e Cristalya ia admirando a paisagem enquanto algumas das outras integrantes do grupo conversavam ao seu lado, até que uma sombra as encobriu e todas pararam de súbito o que estavam fazendo. Uma enorme embarcação flutuava acima das cabeças daquelas jovens sereias, nenhuma delas nunca havia visto algo parecido, por isso, curiosas, todas emergiram na superfície, sem se preocupar muito em serem vistas.

Cristalya nadava admirada ao redor do navio quando seus olhos se depararam com uma bela figura humana, um jovem estava debruçado sobre o parapeito de uma janela e olhava distraidamente para o horizonte.  Assim que olhou para aquele humano de cabelos castanhos que demonstrava tamanha reflexão, o coração da sereia acelerou e a fez sentir algo para ela ainda inédito que parecia aumentar a cada movimento daquele humano.

Cristalya sempre fora fascinada pela raça humana e desde pequena ouvia admirada as histórias que quem fazia a sua primeira viagem contava, como a sua irmã,  que foi para o litoral brasileiro e encantou um turista fazendo ele saltar na água e se afogar, mas isso não era o que Cristalya queria, pelo contrário, ela queria estudar aquelas criaturas fascinantes, e naquela embarcação talvez ela tivesse mais chances do que quando chegasse ao seu destino com as outras,  foi pensando nisso que Cristalya teve uma ideia, iria deixar suas companheiras e seguir aquele navio.

E assim ela fez.

Mesmo depois de dias continuava impressionada, havia visto objetos pertencentes à humanos,  observado e estudado seus hábitos, mas o que ela mais gostava era que todos os dias aquele mesmo rapaz se debruçava pontualmente na janela e cada vez que ele fazia isso Cristalya tinha mais certeza que não iria fazer o mesmo que sua irmã, ela estava amando ele de verdade, ela sabia que se fosse assim ela nunca poderia falar com ele e isso doía muito, ela gostava tanto dele e teria que se contentar com apenas observá-lo uma vez ao dia.

Corria tudo tão normalmente que Cristalya já havia criado uma rotina,  até que em uma noite, quando a dor de nunca ter seu amor correspondido já se tinha se tornado quase insuportável algo diferente e terrível aconteceu, era possível ouvir gritos vindos de dentro do navio e depois de um tempo a sereia entendeu o que estava acontecendo O BARCO ESTAVA AFUNDANDO, onde estaria o seu amado? Quando varias pessoas já estavam na água e algumas até haviam morrido, Cristalya procurava desesperadamente por aquele moço e quando o encontrou um aperto tomou conta do seu coração, ele estava fraco e se afogava tentando desesperadamente alcançar algo em que pudesse se segurar, se nada fosse feito imediatamente ele não resistiria. A sereia nadou na direção do rapaz, as pessoas viam ela, mas aquilo já não importava.

Quando Cristalya alcançou o seu amado e o agarrou levantando ele o mais alto que podia numa tentativa desesperada de tirar ele da água ele lançou para ela um último olhar, com uma expressão que apesar da situação disse muita coisa, depois soltou o seu último suspiro e morreu, Cristalya ao se dar conta disso desabou por dentro, mas soube que pelo menos pouco antes da morte do amor da sua vida ela fora correspondida, mas o que ela faria agora?

No dia primeiro de setembro de 1985, após muita procura, foram encontrados os destroços do Titanic, que naufragou em 1912. Curiosamente ao lado do navio foi encontrado o esqueleto de um casal que aparentemente havia morrido abraçado e a mulher, surpreendentemente, possuía uma cauda de peixe, sendo esse o único vestigio conhecido da existência de sereias. 





Titanic - A História não contadaOnde histórias criam vida. Descubra agora