Apesar das dificuldades financeiras de sua família, James Shepherd finalmente conseguiu realizar o sonho de graduar-se na mais antiga e conceituada instituição de ensino superior da Inglaterra: a Universidade de Oxford. Diplomado em engenharia aos 23 anos de idade, no início de 1872, James era um fenômeno nas áreas de matemática e física teórica, mas demonstrava pouca capacidade criativa. Desde o início da puberdade, ele imaginava que ser engenheiro o ajudaria a desenvolver a percepção espacial para criar as mirabolantes máquinas que permeavam sua mente havia muito tempo.
Na época de sua graduação, a engenharia era a profissão da moda, e a sociedade usava e abusava dos mais diferentes dispositivos mecânicos, boa parte deles movidos a vapor, tornando a vida dos cidadãos mais fácil e confortável. Tudo era maravilhosamente mecanizado.
Nos primeiros dias de aula, James conheceu o colega de faculdade Oliver Scott, por quem nutriu uma profunda e incomum amizade. Assim como James, Oliver também era um rapaz genial. Sua mente possuía uma descomunal capacidade inventiva, com grande percepção espacial, e que ofuscava o pouco interesse na matemática. Desde a infância, Oliver construía máquinas complexas, utilizando peças improvisadas, e sem efetuar um único esboço ou cálculo. De certa forma, as mentes brilhantes dos amigos se complementavam para formar um poderoso intelecto.
Por conta da mútua empatia, ambos foram morar numa mesma casa, logo no início da faculdade, e lá permaneceram até a conclusão do curso. Os jovens sempre eram vistos juntos, mas não demonstravam em público uma afetividade que não fosse proveniente da corriqueira amizade entre varões. Cada um sentia-se atraído pela genialidade do outro, e, com frequência, manifestavam essa admiração a quem estivesse por perto. Longe dos olhos alheios, os rapazes mantinham um relacionamento apaixonado e intenso.
Durante o curso de engenharia, James e Oliver fizeram amizade com o divertido estudante de química George Cooper, filho de um grande industrial de Londres. George não era tão genial quanto seus novos amigos. Em muitas das conversas que tinham, não acompanhava o rápido raciocínio de James e Oliver. Por vezes, não entendia também algumas das piadas dos amigos. De caráter fraco e visão distorcida, características herdadas da tradicional família Cooper, George passou a nutrir dentro de si uma inveja velada que crescia com o passar do tempo.
Logo após a graduação, James e Oliver foram convidados a trabalhar na Universidade de Oxford, como engenheiros assistentes de um renomado professor. Percebendo que teriam acesso a diversos equipamentos e laboratórios para suas pesquisas particulares, os inseparáveis amigos decidiram aceitar a oferta de emprego. Durante os primeiros anos em que trabalharam como assistentes, os talentosos engenheiros ajudaram a desenvolver inúmeros equipamentos movidos a vapor. Entre eles, armas portáteis para o exército britânico. Oliver concebia as máquinas, com suas engrenagens, polias, pistões, correias e alavancas, e James efetuava os complicados cálculos para o correto dimensionamento de cada peça. Em todo o tempo juntos, os dois trabalhavam em perfeita sintonia.
Após anos de árduo trabalho, dentro e fora da universidade, e com inúmeros projetos particulares a serem patenteados, os amigos fundaram a companhia Shepherd & Scott, a qual passou a chamar a atenção de muitas pessoas influentes, não somente na Inglaterra, mas também em outros países europeus.
Pela fama que adquiriram, James e Oliver foram convidados a liderar o que viria a ser o mais importante projeto de suas vidas: o desenvolvimento de um grande veículo de guerra, movido a vapor supercrítico, capaz de transportar dezenas de soldados e bastante carga, viajando por terra e água, e com autonomia de centenas de quilômetros. O Projeto Anfíbio destinava-se à produção de um blindado de nome Her Majesty's Super Armored Vehicle, apelidado de HMV S-Team pelo Conselheiro de Guerra. O veículo anfíbio seria fortemente blindado e equipado com metralhadoras de alto poder destrutivo. Para atender ainda às vontades da Rainha Vitória, o projeto exigiria o desenvolvimento de equipamentos até então inexistentes. Aos olhos de James e Oliver, esta seria a sua obra-prima, a qual, pela grande complexidade, demandaria muitos meses de intenso trabalho e dedicação.
No início do projeto, James percebeu que precisaria de profissionais de outras áreas técnicas para o desenvolvimento do HMV S-Team. Diante disso, contratou diferentes especialistas para subprojetos específicos. Entre os profissionais chamados, estava o velho amigo George. Apesar de ser filho de um rico industrial e, portanto, não precisar daquele emprego, o químico George resolveu aceitar a oferta de trabalho. Seu pai, William Cooper, convenceu-o a trabalhar com James e Oliver, dizendo que os engenheiros poderiam ensinar muito a George.
O projeto do veículo blindado fora sugerido a Sua Majestade pelo Conselheiro de Guerra, sendo imediatamente aprovado o seu desenvolvimento, tendo em vista a crescente animosidade entre a Inglaterra e a França. Além deste, havia outro projeto voltado à construção de um dirigível bélico, movido por turbinas a vapor, e equipado com armas potentes. Estes dois projetos deixavam clara a grande preocupação da Coroa Britânica com uma iminente guerra contra os franceses.
Desde a graduação, Oliver andava obcecado em descobrir novas fontes de energia que, futuramente, pudessem substituir o inexorável vapor. Ele acreditava que o avanço da humanidade, rumo a uma nova era, dependeria de outras fontes de energia mais eficientes. Por óbvio, Oliver sabia que o vapor era a força motriz de sua sociedade, e que a mesma, por ser reacionária, não aceitaria tão facilmente a substituição por outra fonte de energia. Além disso, uma poderosa e sólida indústria havia-se estabelecido por conta desta força motriz. Os maiores industriais da Inglaterra estavam, de alguma forma, vinculados à indústria do vapor, e muitos eram amigos íntimos da Rainha Vitória. Por tudo isso, qualquer investida para apresentar à sociedade britânica uma nova alternativa energética seria firme e prontamente rechaçada.
Na visão da maioria das pessoas, estava claro que o inventivo engenheiro caminhava na contramão da indústria de sua sociedade, atraindo olhares de inveja e raiva dos mais conservadores. Entre estes, estava o industrial William Cooper, um dos homens mais ricos do Reino Unido, e um dos mais ardilosos.
***O conflito com a França estava começando. O Conselheiro de Guerra pressionava James, exigindo urgência na conclusão do protótipo, para que o HMV S-Team pudesse ser produzido em escala, e enviado ao campo de batalha o quanto antes.
Meses se passaram até James, Oliver e sua grande equipe finalizarem o protótipo do tão esperado veículo de guerra. Encorajado por George e sem o conhecimento de Oliver, James acelerara o projeto, pulando importantes etapas.
Então, numa fria manhã de domingo, os engenheiros, junto a técnicos do Projeto Anfíbio, levaram o protótipo do HMV S-Team a um lago artificial para testes de flutuação e locomoção. Os testes seriam acompanhados pelo Conselheiro de Guerra e por membros do parlamento.
À beira do extenso lago, Oliver, sozinho, entrou no veículo blindado e lacrou todas as portas. Em seguida, ligou os potentes motores e conduziu o anfíbio em direção ao lago. De início, o HMV S-Team flutuou como previsto, até a metade da travessia. De repente, parou de locomover-se e afundou por completo. Atônitos, todos olhavam para o lago, imaginando que aquilo fazia parte dos testes. Esperaram alguns minutos, mas o veículo não retornou à superfície. James entrou em desespero, pois sabia que algo de muito errado acontecera.
Manipulado por seu pai, George havia sabotado o HMV S-Team, fazendo afundar com ele o talentoso Oliver, e a futura ameaça à indústria do vapor.
Oliver morreu naquele teste, e James jamais se perdoaria.
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S-team
Short StoryConto de temática Steampunk, subgênero de ficção científica, retrata a vida de dois jovens amigos que viviam na Inglaterra do século XIX. O vapor era a força motriz daquela sociedade, e a tecnologia então existente desenvolvia-se a partir dele. Os a...