— Maya, pela milésima vez nesse dia, você não irá para o Brasil! – Minha mãe disse em tom de sussurro enquanto me puxava para longe da sala – E da próxima vez que você tocar neste assunto enquanto seu pai estiver por perto, pode se considerar morta!
Rolei os olhos em descaso e me joguei de braços cruzados na cama de casal no quarto dos meus pais.
— Mas mãe, já tenho 19 anos! – tentei argumentar, mesmo sabendo que ela não cederia aos meus desejos.
— Kaf Maya! Já estou farta deste assunto! Se você continuar, juro por Alá que te deixarei de castigo por um mês, não me faça te tratar como uma criança! Já que insiste em dizer que já é uma adulta, haja como uma!
Bufei em descontentamento e assenti contra minha própria vontade. Não adiantaria insistir, minha mãe é a mulher mais dura que conheço, nada consegue amolecer seu coração.
Satisfeita por eu ter me desistido de tentar argumentar, ela saiu do quarto me deixando com a cara fechada e braços cruzados, como uma criancinha emburrada.Enquanto eu ainda estava lá, emburrada, minha mente só conseguia pensar no desejo enorme que tomava conta do meu ser: viajar para o Brasil.
Você deve estar sem entender nada do que está acontecendo, não é mesmo?
Me desculpe por começar tudo assim, sem me apresentar e toda a baboseira do começo de uma história e blá blá blá.Meu nome é Maya, eu moro em Beirute, capital do Líbano. Eu sou uma típica garota muçulmana revoltada com os pais controladores e vida baseada em
uma cultura de anos e anos atrás. Eu nunca sequer saí de casa para ir ao mercado sem a escolta da minha mãe ou algum parente mais velho, sabe como é, por aqui existe toda uma burocracia focada nas mulheres. Eu uso meu hijab por pelo menos 18 horas por dia e sempre estou vestida com uma abaya, às vezes um niqab, como é ensinado a todas as mulheres desde pequenas. Meu pai é um
homem de negócios, pode-se dizer que somos uma família bem sucedida, graças a seu trabalho e esforço durante todos esses anos. Minha mãe, assim como toda mulher libanesa, é dona de casa, cuida de todos os afazeres domésticos, dos filhos, etc. Eu tenho dois irmãos mais novos, que são uns amorzinhos e uns pestinhas ao mesmo tempo, Almir e Samir. E eu... bem, eu sou uma garota de 19 anos que vive com os pais, encarcerada em casa e sem convívio social. Minhas únicas amigas são Samyra e Joyce, na verdade, as únicas que meus pai julgaram serem dignas de conviver com a divindade aqui. Que sempre me dão conselhos e tentam ao máximo entender essa minha cabeça louca.Voltando ao meu desejo incontrolável de viajar para o Brasil.
Como tudo começou...
Há mais ou menos uns 3 meses atrás, digamos que eu tenha burlado as regras impostas nessa casa e por um milagre consegui acessar o computador do escritório do meu pai. Como eu não sou nenhuma acéfala, não me pergunte como eu aprendi (porque é uma longa história), abri o Google e comecei a procurar sobre países mais recomendados para viajar. Devo ter ficado uns 15 minutos rolando as páginas sobre países Europeus e por incrível que pareça nenhum prendeu minha atenção. Então, como se uma luz divina tivesse iluminado a tela do computador, eu me deparei com um link que finalmente, me interessou.
"20 motivos para viajar para o Brasil!"
Sem pensar duas vezes, abri aquela página e comecei a ler o artigo. Fiquei boquiaberta com a cultura de lá, é sério que esse lugar existe? Todas aquelas praias e cidades maravilhosas, pessoas sorridentes, clima tropical. Mas não apenas esses pontos me chamaram a atenção, por algum motivo que eu ainda desconheço eu realmente senti em meu qalb que eu deveria ir para esse lugar. Eu quero ir pra esse lugar!Aí então, como minha alegria sempre dura muito pouco, ouvi barulho da porta da sala abrindo e meus dois irmãos caçulas entrarem fazendo uma bagunça de gritos e risadas, me fazendo fechar todas as abas e desligar o computador com tamanha rapidez que até eu me assustei. Saí correndo dali e subi para o meu quarto, e lá eu fiquei... Sonhando acordada com o que eu tinha visto naquele site.
Bom, basicamente foi assim.
"Mas por que você está tão fissurada com esse país?" é o que você deve estar se perguntando.
Ah, eu não sei. Talvez seja apenas um desejo louco, uma ilusão da minha cabeça. Mas, alguma coisa me diz que eu devo ir para esse lugar.— Maya, venha me ajudar com o jantar! – Ouvi minha mãe berrar da cozinha, me tirando dos meus devaneios.
— Já vou mãe! – Respondi me levantando.Será que um dia esse meu sonho vai se realizar? Que Alá ouça minhas orações.
—x—
Vocabulário:
Kaf- Já chega.
Hijab- tecido que cobre a cabeça sem esconder o rosto.
Abaya- túnica preta e longa.
Niqab- tecido que cobre a parte inferior do rosto.
Qalb- Coração.—x—
Oi gente! Espero que tenham gostado desse prólogo, e eu prometo pra vocês que os próximos capítulos serão maiores e bem mais interessantes. Essa história ainda vai render muito! Me digam o que acharam, deixem suas opiniões, críticas, elogios, tudo aqui é bem vindo!
Sempre irei deixar esse vocabulariozinho no final de cada capítulo para que vocês não fiquem perdidos, ok?
É só isso mesmo, um beijo, até o próximo! 💋
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Maktub
Romance"Maktub, particípio passado do verbo Kitab. É a expressão característica do fatalismo muçulmano. Maktub significa: estava escrito. Ou melhor, tinha que acontecer. Essa expressiva palavra dita nos momentos de dor ou angustia, não é um brado de revolt...