Disparos, disparos são tudo o que eu escuto, um, dois e depois do terceiro nenhum barulho, fico surdo por algum tempo, não sei dizer quanto, mas é agoniante. Olho para os lados a procura de um esconderijo para nós, vejo que Ariel faz o mesmo e quando percebe que estamos cegos pela poeira ela estremece. Quero abraça-la e dizer que está tudo bem, que vai ficar tudo bem e que vamos achar seu irmãozinho, mas sabemos que isso não é verdade, ao menos ainda temos sorte de estarmos juntos.
Outro tiro, e dessa vez passa bem ao nosso lado, estamos no meio de uma batalha e não temos para onde ir, mas Ariel resolve guardar toda dor e usar toda sua coragem para segurar forte minha mão e sair correndo atrás de algo que pudesse nos dar segurança. A adrenalina era tanta que eu podia até mesmo sentir meu coração batendo forte e meu sangue correndo pelo corpo, eu sentia que algo ia dar errado, olhei para avisa-la, mas as palavras não saiam de minha boca. Ao invés de tentar impedir ela, o que eu sabia que ia ser totalmente impossível, passei apenas a observar cada traço seu. O cabelo longo e ruivo que era tão indomável quanto a própria dona, suas sardas que lembravam uma constelação espalhadas não só pelo rosto delicado, mas por todo corpo, os olhos cor de mel escondidos debaixo dos longos cílios que a dava uma aparência de uma boneca, mas que nem assim deixavam de dar a impressão de que estavam pegando fogo e que quem se queimaria era você; tudo isso, cada detalhe seu eu passei a memorizar e a guardar não só na mente, mas também no coração.
Em meio a tanta confusão no local e também na minha cabeça, quando dou por mim estou caído no chão provavelmente com uma costela quebrada, não sei como vim parar aqui, meu cérebro parece não processar mais as coisas. Quando vejo que Ariel não está ao meu lado, por impulso eu começo a varrer o lugar com os olhos a procura dela e quando a vejo me arrependo imediatamente por ter procurado, entre tijolos, lixo e destroços seu corpo está num estado deplorável, ali em meio a tantos cadáveres percebo que logo ela virará um. Tudo que vem a minha cabeça é que preciso chegar até lá, e assim o faço. Quando chego perto reparo que ela já estava me encarando e com dificuldade cantava a nossa música que naquele momento parecia se encaixar perfeitamente ''Prepare-se, apaixone-se, tente, mas você nunca estará sozinho, eu estarei com você, estarei com você do amanhecer ao pôr do sol''. Segurei seu rosto cuidadosamente e encostei nossas testas já sentindo minhas lagrimas que eu havia segurado por anos começarem a cair. Quando me afasto só tenho tempo de dizer ''eu te amo'' antes de seus olhos perderem o brilho.
Estou tão exausto, estou farto dos outros, da guerra, de mim mesmo. Quero levantar e levar o corpo de Ariel para um enterro bonito, mas sei que isso não será possível e a dor de ter que a abandonar ali é quase maior que a dos ferimentos. Com dificuldade eu me levanto, mas não consigo andar muito antes de tudo começar a girar e a minha visão ficar preta.
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O diário de Noah
RomanceApenas papel e caneta na mão junto com uma dolorosa paixão.