my own escape.

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Sinto que dentro de mim existem fios. Não estão quebrados, apenas incompletos. Pequenos aspetos que a vida ainda não se encarregou de alongar para que fossem estabelecidas ligações, ou que fez questão de limar (quase que gastar) para garantir que não os unia tão cedo. Pura teimosia ou talvez alguma aversão em relação a mim.
Para escapar à frustração que isto me traz, encarrego-me de tecer pequenos cordéis no espírito dos outros. Preocupo-me tanto com o quanto os corpos que passam por mim estão incompletos que me abstraio do que me falta. É quase que como uma terapia, inspecionar e construir um pouco das pessoas com quem me preocupo de uma forma mais sentida do que alguma vez conseguiria fazer comigo.
Umas gostam de dizer que se refugiam em mim. Desabafam, recebem conselhos, calma e confiança. O que não sabem é que esses momentos são também o meu refúgio. Não me acalmo com as pessoas, acalmo-me nas pessoas.
Não sou uma pessoa aberta, nunca fui. Eu tendo a fechar-me sobre mim mesma, sobre números, rótulos e objetivos. Porque esse é o material de que sou feita a cem por cento. Chamem-me ingénua ou autorrepressiva, mas como posso dizer que não sou apenas um número se é através deles que me definem? 1 metro e 67 centímetros, um número. 15 anos, um número. Nascida no 16º dia do 4º mês do ano 2001 depois de Cristo, mais números. Pessoas alheias definem o meu futuro somando números e dividindo o resultado pelo número de parcelas. São-me atribuídos valores que supostamente traduzem o meu esforço e sacrifício de meses. A distância que me separa do mundo são nada mais que simples quilómetros uns atrás dos outros e cêntimos em falta na minha carteira. Toda eu sou números. Uma equação difícil de resolver, é por isso que me escondo nas palavras.
Letras alinhadas numa ordem horizontal que me transportam para sítios onde nunca irei, onde digo coisas que nunca sairão da minha boca. Aqueles meros minutos de paz, silêncio e sobretudo de liberdade. Talvez o faça para escapar aos algarismos que temo e que o universo teima em impingir-me. Caracteres diferentes que me proporcionam uma discreta porta traseira numa casa rígida e exigente onde forçosamente tenho de viver: este planeta. Aquele que simplesmente não quer que eu pare um segundo para respirar, para apreciar o que me rodeia, para rir e para chorar. Para estar realmente viva enquanto vivo. O que exige que esteja sempre na plena posse das minhas capacidades para corresponder positivamente às tarefas que me são designadas.
Desintegro-me quando me apercebo desde círculo vicioso que avança radicalmente sem esperar por mim. Expludo. Quebro-me. Aqueles fios que atei sem permissão desatam-se violentamente, os que ainda nem estavam unidos afastam-se. São estes momentos que realmente me assustam. Um refúgio ambulante não é suposto ruir sobre si mesmo, deverá aguentar-se firme apesar das tempestades, continuar a assegurar a segurança e conforto de quem lá se abriga. Após isto, creio que nem um refúgio sou.
Não sou uma falsa confidente, aquela que partilha o que jurou guardar a sete chaves, mas também não costumo partilhar as regalias que me dão ao contarem comigo nestes momentos. Não lhe chamaria de problemas de confiança nos outros, simplesmente conformei-me a resolver as coisas por mim mesma até certo ponto. Até à rutura que se dá quando tropeço e caio espalhafatosamente contra o asfalto em que sou obrigada a correr. Até entender que talvez a calma e segurança que pretendo transmitir nem se encontram dentro de mim, até perder a única terapia que me mantém sã. Aí as lágrimas formam rios, um bico de lápis partido equivale a uma catástrofe, o meu corpo treme com a intensidade de um sismo de magnitude 7. Cá estão: os números outra vez. Pensam que só por serem utilizados recorrentemente definem numa escala racional aquilo que sofro, aquilo que trabalho, aquilo que sou. Não me conformo, mas o mundo afirma-o. Quem sou eu para rejeitar os padrões de milénios?
Acho que é esse o meu verdadeiro problema. Quero definir-me de acordo com algo que não existe, por isso resumo-me àquilo em que me enquadram. As etiquetas que me colam na testa, pelas quais me conhecem. A morena, a marrona, a alta, a pouco atlética, a da mochila com pins, aquela com quem eu por vezes falo sobre assuntos que me dizem muito e ela ouve de boa vontade.
Estabeleço objetivos e procuro irracionalmente encontrar-me nas pessoas que vêm ao meu encontro. Penso que seja esse o caminho, abrir o meu emaranhado de fios soltos ao exterior, permitir que o vejam e que o tentem resolver. Sinto-me grata pelas pessoas que já completo e por aquelas que, por um motivo ou por outro, estão a ler esta sequência de letras que bem poderá ser a mais pessoal que já compus, o meu momento derradeiro de libertação.

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⏰ Última atualização: Nov 06, 2016 ⏰

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