- Al Azif -

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O jovem guarda Natan empunhava sua arma, trêmulo. Ele estava agachado e com as costas contra uma parede, e de fundo era possível se ouvir um mar quebrando, sinistro, nevoento, em algum lugar; e o silvo na atmosfera, que ninguém sabia muito bem de onde vinha, soprando como o uivo de lamurientos demônios antigos, sempre e sempre, dia e noite, um lamento constante daquele mundo novo para nós, mas já gasto demais pelo tempo. Quase totalmente coberto por água, o planeta era um solitário deserto líquido e rico em minérios muito raros, orbitando uma estrela anã vermelha, anciã até mesmo entre suas iguais, cuja órbita lentamente mergulhava na vasta escuridão além da borda de nossa galáxia.

Liberando uma de suas mãos, Natan pegou o rádio comunicador na cintura de seu macacão, olhou para a etiqueta colada no botão de acionamento do aparelho, protegida por fita adesiva transparente, onde se lia, em caligrafia floreada, os dizeres "Socorro, Karina", seguido de exclamações e uma estilizada carinha sorridente. Dali, do rádio, o guarda ergueu os olhos, espiou cuidadosamente para além da parede que o escondia, e fitou, uns dez metros à frente, uma mulher, na casa dos trinta anos, ou seja, uns dez mais velha que ele, usando um uniforme idêntico ao de Natan, portando uma arma igual a sua, só que ainda no coldre, na cintura. Ela agarrava, com ambas as mãos, os dois corrimãos de um passadiço meio enferrujado, um dos muitos passadiços que se estiravam por todo o lado naquela antiga usina construída sobre um velhíssimo e sombrio oceano. A mulher se agarrava não para evitar cair na água sinistra e escura, mais abaixo, mas para se firmar e para poder pisotear e chutar com mais força, brutalidade e eficiência alguém que estava caído no chão perto dela. Quem quer que fosse a vítima, debaixo daquela surra não iria durar muito, e Natan tinha que parar aquilo! Voltando à segurança por trás da parede em que se apoiava, apertou o botão com a etiqueta, em seu rádio, e falou, forçando calma na própria voz, até mesmo certa afetuosidade:

— Kari. Sou eu, Nate.

Lá na frente, a mulher parou de espancar sua vítima caída, agarrou o próprio rádio, levou-o aos lábios, e foi dizendo, em uma voz rouca, agressiva e quase salivante:

— Volta pro cofre, garoto! Já vou te apanhar lá!

— Kari, escute. Estamos do mesmo lado. Eu também tenho a marca com um foguete e um livro no ombro do macacão. Verde e amarelo. Sou da mesma força que você, estamos juntos só há três semanas, mas fazemos parte do mesmo time, e vamos voltar pra casa, pro Brasil, juntos também...

— Foda-se, Natan, só me espera no cofre, falou? Vai por mim, você não vai querer acabar na água também. Melhor no cofre, vai pra lá agora! — Mas, apesar do xingamento e da urgência, não havia raiva no tom dela naquele instante, apenas uma fria, gélida, resolução. Ela iria terminar tudo que estivesse fazendo, e passaria por cima de qualquer um para fazer isso.

— ... Eu ouvi o veículo de abastecimento chegando também... — Murmurou Natan, hesitante, ao rádio.

— Onde você está?! — Vociferou, subitamente, Karina.

— Perto. Eles disseram que era arriscado, mas pagavam bem. Precisam de gente para manter os sistemas, máquinas não resolvem por muito tempo, o gerador oceânico emperra sem pelo menos dois ou três de nós por aqui, vigiando e consertando, mas sempre vai ser arriscado guardar este lugar... Gente enlouqueceu aqui, e morreu. Poderia acontecer com qualquer um, por isso a grana alta, lembra, Kari? Essa merda de uivo do vento dá nos nervos, e as águas do mar devem ser tóxicas mesmo...

— Cadê você, garoto?

— Sou o novato, é... Mas talvez por isso mesmo tá tão foda tomar essa porra de decisão difícil... — E, depois de fungar e esfregar o suor do rosto, que porejava, ele gritou para o alto: — Sai de perto da pessoa que você tava chutando, Kari! Devagar...

Al AzifOnde histórias criam vida. Descubra agora