Capítulo 2 - O pequeno garoto que habitava a desolação.

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— Acorda! — disse o pequeno garotinho ao meu lado — Vai ficar ai deitado pra sempre?

Meus músculos doíam, minha cabeça estava pesada, mas nenhuma dessas coisas me incomodava mais do que a visão daquele garotinho na minha frente. Havia algo familiar naquele olhar.

— Desculpe, mas quanto tempo eu dormi?

— Não sei moço, você ficou caído ai um tempão — disse o garotinho com uma expressão de dúvida.

— Onde nós estamos?

— Não sei — dessa vez eu pude perceber um lampejo de tristeza em seu rosto.

— Mas como você veio parar aqui garoto? E qual é o seu nome? — Algo familiar me incomodava naquele garoto.

— Eu sou alguém — aquilo congelou meu sangue, de alguma forma aquelas palavras me roubaram o ar, mas ele continuou — eu sempre estive aqui, não lembro quando eu cheguei, sempre estive sozinho.

Por uma fração de segundo meu corpo paralisou, o ar fugiu de meus pulmões, e sem nenhum motivo aparente uma parte dentro de mim começou a me incomodar. Algo familiar, algo que eu mantive guardado sem saber por muito tempo, algo que eu ainda não havia conhecido.

Afastei esse sentimento e encontrei o folego para continuar falando.

— Mas como você consegue viver aqui garoto? Tem mais alguém aqui com você?

— Não moço, não tinha ninguém aqui, eu sempre estive sozinho, até você aparecer.

Por um momento eu senti pena daquele pequeno garoto, uma criança não deveria estar sozinha, não num lugar como esse. "Mas há algo errado" pensei " como ele pode sobreviver?" Foi ai que algo me chamou a atenção.

Tinha ficado tão maravilhado e assustado com a imensidão branca e com o pequeno garoto solitário que não pude reparar em mim mesmo.

Roupas impecavelmente brancas, descalço, e quando olhei para frente, percebi que o garoto usava as mesmas roupas, além do tamanho, a única coisa que nos diferenciava era um pequeno urso de pelúcia que ele carregava. Um pequeno urso branco de olhos e boca negros.

— Qual é o nome do seu amiguinho? — perguntei curioso.

— Ninguém

— Como? — De todas as respostas, aquela era a última que eu esperava de uma criança, ficaria menos chocado se ele tivesse dado um nome bobo, ou até um nome humano para aquele pequeno bicho de pelúcia.

Ele abraçou o  urso e me olhou com firmeza.

— O nome dele é Ninguém! — Disse como se isso fosse a coisa mais normal do mundo, e para minha surpresa, acabei me convencendo de que era algo normal.

— Quem te deu esse urso garoto?

Ele me olhou desconfiado, mas afrouxou o abraço esmagador que ele estava dando no pequeno urso.

— Ele sempre esteve aqui comigo.

A ideia me pareceu completamente louca, mas parecia mais fácil de aceitar.

Então o garoto se levantou.

— Quer brincar? — Disse ele com um olhar esperançoso.

Apesar de tudo, aquela ideia me pareceu divertida. "Há quanto tempo que não brinco?"  pensei. Então me levantei com um salto e uma disposição não muito familiar tomou conta do meu corpo.

— Sim, quando você quiser — a expressão dele se iluminou e uma parte dentro de mim dançava de felicidade em ver o rosto feliz daquele pequeno garotinho — mas do que vamos brincar?

Ele me olhou como se aquela pergunta tivesse a resposta mais óbvia do mundo. Levantou e me entregou um pequeno urso negro.

— Toma, o nome dele é Ninguém.

— Mas esse não é o nome do seu urso?

— E? — disse ele com uma cara de dúvida.

— Como os dois podem se chamar Ninguém? — Perguntei com uma curiosidade verdadeira.

— São só ursos, não importa como nós os chamamos. — Havia algo na forma que ele disse aquilo que me deixou perplexo "existe algo muito estranho nesse garoto".

Brincamos por muito tempo, horas, dias, impossível dizer, o tempo parecia não ter influência naquele lugar. E todo o tempo me mantive atento ao pequeno garoto de branco na minha frente, eu podia ver a felicidade em seus olhos, mas algo ainda me incomodava, havia algo naquele garoto que me incomodava.

Tinha algo muito comum para mim naqueles olhos curiosos, enquanto brincávamos, sentia que os pequenos olhos curiosos transpassavam a minha alma, como se estivessem procurando algo dentro de mim.

— Você não está gostando! — Disse ele subitamente, mudando de expressão.

— Claro que estou! — Disse confuso.

— Não está! Você não está prestando atenção!

— Como assim garoto?

— Eu posso ver, você não está prestando atenção!

— Não entendi — por um momento me senti um tolo.

— Você está perguntando um monte de coisas!

Acredito que minha cara de surpreso foi instantânea, "como ele poderia saber o que eu estou pensando?".

— Não é nada disso, vamos voltar a brincar — disse tentando contornar a situação.

— Você está mentindo — a expressão do pequeno garoto mudou, o rosto era de uma criança, mas a forma de olhar, o jeito como a sobrancelha se levantou, havia algo diferente.

— Quem é você? — a pergunta me escapou pelos lábios e eu me senti um tolo.

— Já disse, Alguém.

— Alguém quem garoto?

— Alguém como você.

Nesse instante o tempo parou, meus pensamentos aceleraram e algo dentro de mim gritava, minha pele havia esfriado, o mundo girava e tudo havia perdido o foco, "não pode ser, será?", aquilo martelava em minha mente, enquanto as coisas iam se montando em minha mente como um quebra cabeça de milhões de peças.

O garoto se levantou e começou a correr, mas não pude levantar, minhas pernas não respondiam, o ar não entrava em meus pulmões, tudo o que eu podia fazer era permanecer ali, ajoelhado no chão e observando o garoto se distanciar com o tempo.

Depois de uma certa distância pude ver que era aquilo que eu pensava, aquele garotinho de olhar desconfiado e curioso não era uma simples criança perdida. Era eu.

Onde eu estava?

Como isso era possível?

Mais uma vez os sentidos me abandonaram e eu caí em sono profundo.

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⏰ Última atualização: Dec 23, 2013 ⏰

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