Era sábado de manhã na cidade de São Paulo. Havia chovido durante a noite e o dia estava nublado. Mário desceu até o estacionamento do prédio onde morava e abriu a porta do carro primeiro para Luciana, sua namorada, que havia passado a noite de sexta-feira com ele. O carro era uma caminhonete Chevrolet anos 90, que Mário herdara do pai.
Fazia quase um ano que os dois passavam os finais de semana juntos, como um casal de verdade. Para eles parecia bom sinal. Quem sabe, talvez durasse para sempre.
Luciana era uma mulher esbelta, alta e magra, sempre lindamente vestida. Apesar disso, tinha uma autoestima muito baixa. Em sua concepção, Mário era bonito e inteligente demais para ela. Mário acreditava o contrário, porém nenhum dos dois tocava no assunto.
O dente de Mário estava incomodando há algum tempo, e ele convidou Luciana para acompanhá-lo à sua dentista, que aceitara atendê-lo num sábado.
Durante o percurso, Mário pensou se a namorada não estaria arrumada demais para uma simples consulta ao dentista. Ela sempre exagerava no salto e na maquiagem. Já Luciana estranhou a distância, mais de 10 Km para encontrar o endereço, mas não reclamou. Era sábado de manhã, e estava tranquila quanto aos seus compromissos. Mário explicou que sua dentista havia transferido o consultório para um lugar mais longe por causa do aluguel mais barato.
Quando chegaram ao local, Mário estacionou num terreno ao lado do prédio. Luciana pisou na grama molhada com seu saltinho, que afundou no terreno e reapareceu, agora coberto de lama. Ela não reclamou. Não era culpa de Mário se a grama estava molhada.
Eles se deram as mãos e caminharam juntos em direção ao prédio. Tratava-se de uma construção antiga, a fachada pintada de marrom, sem janelas, e uma única abertura, uma porta de ferro azul-escuro descascada nas beiradas. Havia várias campainhas sem identificação ao lado da porta. Foram tentando uma por uma. Vozes atendiam e diziam que aquilo não era um consultório odontológico. Na sétima tentativa eles acertaram. A doutora atendeu e liberou a trava da porta. Eles entraram.
Luciana subiu aqueles nove lances de escada com uma agonia sem fim. Sentia um cheiro ruim, que não era aquele cheiro comum de consultório odontológico. Ela não reclamou. A relação dos dois era muito boa, e Luciana nunca perturbava ele com suas frescuras.
A cada término de lance de escadas, davam com uma salinha, pareciam pequenos consultórios que atendiam a diversas especialidades. Eles iam subindo, e cada salinha estava sempre com a porta aberta. Em uma delas sentiram um cheiro forte e estranho, como sangue e mais alguma coisa estragada. Em outros andares, mais cheiros estranhos e repugnantes. Luciana começou a querer ir embora. Por mais urgente que fosse o que Mário fosse tratar ali, poderia esperar mais alguns dias, e remarcar num outro lugar mais limpo, talvez. Mas faltou coragem para chamar a atenção do namorado.
Enfim chegaram ao consultório 197. Pelo menos este estava limpo. Dra. Mariana os recebeu com um sorriso simpático e seu avental branquinho. Mariana já tratava Mário há um bom tempo. Mesmo assim, ele mudou de cor quando a viu. Ficou branco de medo.
Luciana, que já havia se esquecido de todos os cheiros estranhos que sentira no prédio, imaginou que seu amado estivesse com o famoso medo de dentista, preocupado com a dor e o barulho dos aparelhinhos irritantes. Segurou a mão dele e disse para ficar tranquilo, que ela ficaria com ele no consultório.
Dra. Mariana explicou para ele o procedimento que faria, e o deitou numa maca. Luciana não entendeu porque ele precisaria de uma maca, e perguntou à dentista qual seria o tratamento dele. Dra. Mariana apenas sorriu e, sem responder, colocou sua máscara de dentista. Depois, ela disse para Luciana se afastar um pouco, para não atrapalhar.
Mário já estava deitado na maca, de barriga para baixo. Então a Dra. Mariana esticou o braço dele e injetou em sua veia uma substância verde. Segundos depois, Mário começou a se contorcer. Ele sentia dor, e também uma ânsia, que logo encontrou vasão. Havia um balde do lado direito da maca, e ele o encheu muito rápido.
Luciana não sabia o que fazer nem o que pensar. Nunca havia visto um tratamento odontológico daquele jeito. Seu amado ali sofrendo e ela sem poder fazer nada para ajudar.
A Dra. Mariana apareceu então com uma tesoura, e cortou parte da calça jeans de Mário, da perna até em cima, pegou uma seringa enorme e injetou o mesmo líquido verde em seu traseiro.
Nesse momento ele gritava e se contorcia. Luciana pegou no braço da dentista e perguntou o que era tudo aquilo. Mariana respondeu gritando, eufórica em meio aos gritos de Mário, que ele estava com um parasita no corpo, que começou por não ter cuidado de uma cárie; e o parasita cresceu e se reproduziu. Agora, habitavam seu estômago e intestino. Aquele era o tratamento para matar o parasita, antes que esse matasse Mário.
Luciana, apavorada, começou a chorar. As pernas amoleceram e ela caiu sentada numa poltrona limpa que havia ali. Aquela era a terceira de cinco etapas do tratamento que ele vinha fazendo. Por isso ele mudara de cor ao ver a doutora, pois já sabia o que viria. Ele gritava de dor, chorava e vomitava todo o líquido verde.
Dra. Mariana mostrou a Luciana a quantidade de vermes que Mário já havia expelido em outras sessões. Ela tinha vidros enormes cheios deles.
Luciana viu aquele monte de potes de vermes parasitas, e vomitou também. Depois, ela desmaiou.
Quando acordou, estava em sua cama, na sua casa, e Mário estava ao seu lado, dormindo tranquilamente. Por um momento feliz, pensou que tudo aquilo não tivesse passado de um sonho ruim. Mas quando olhou para o lado, para o criado-mudo, viu a calça jeans de Mário, toda rasgada e suja do líquido verde.
Assustada, mas sem querer acreditar, voltou a dormir para não incomodar o sono do seu amado, que já havia sofrido demais. Ele parecia exausto e pálido. Porém, ao amanhecer, percebeu que Mário demorou demais para acordar. Ela já havia feito o café e ido à padaria comprar pães de leite, os preferidos de Mário.
Quando voltou ao quarto para acordá-lo, ele estava com os olhos abertos e líquido verde saindo pela boca e orelhas.
Luciana tentou gritar e não conseguiu. Teve uma queda súbita e acordou. Mário estava ao seu lado na cama, achando graça de tudo o que ela falava enquanto dormia.
Olhou para o relógio e disse:
_Lu, bora levantar e tomar café, que hoje eu tenho dentista!FIM
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Uma visita ao dentista
Short StoryIr ao dentista pode não ser tão simples. Veja a trajetória de Luciana, que ao acompanhar o namorado à uma consulta, vê coisas que preferiria nunca ter visto.