1: A grande noite.
As sombras que obscureciam os cantos do hospital eram suas amigas. Amigas carinhosas que o envolviam em seus seios e protegiam das vistas dos bem trajados seguranças que zanzavam pelos corredores de arma em mão.
A caricia das trevas da madrugada era bem-vinda. O homem de preto precisava delas. Precisava manter-se oculto. Precisava manter-se invisível. Olhou em volta. Estava dentro da sala onde as faxineiras guardavam as vassouras e outros acessórios de limpeza. Respirou fundo, pegando de baixo da camisa um revolver com a numeração raspada. Levantou a arma e encostou o cano sobre o queixo, podendo sentir o odor de morte que vazava do orifício. Suspirou. Aquele era o corredor. Estava no lugar certo, mas não seria fácil. Olhou para o relógio.
— Meu Deus, tá na hora! — Resmungou. Eram 2:45. faltava apenas 10 minutos para que a porta do quarto fosse aberta e uma vida inocente perdesse-se no Hades. — Não quero fazer isso... não posso fazer isso... devo fazer isso!
Matar ou morrer! Agora essa era a realidade. Os quatro seguranças espalhados pelo corredor estavam armados e preparados para matar quem fosse otário a ponto de entrar naquele hospital. Mas o invasor estava determinado. Tirou do bolso da calça uma máscara negra de esqui e escondeu com ela sua face morena, larga e ossuda.
Abriu com suavidade a porta do depósito e saltou para a luz branca do corredor. Saltou rolando na cerâmica. Saltou disparando no armário que broqueava a porta às suas costas. Saltou atirando certeiro. Saltou derrubando um homem com um pequeno buraco na testa. Diabos! Aquela cena jamais sairia da sua cabeça.
Saltou e rolou. Um disparo e menos de dois segundos para que o invasor já estivesse em pé de arma pronta para atirar no homem que até antes conversava com o armário. Seria mais um cadáver. Estava dando tudo certo. Espere, haviam dois ali. Cadê os outros?
— Merda! — Praguejou, sentindo algo frio lhe tocar a nuca.
— Acabou aqui! — Afirmou o moleque caucasiano, encostando a pistola negra no sombrio assassino. — Não tente, senão...
— Senão você vai me matar? — Indagou, sua voz exalando o clássico tom de ironia de um arrogante prestes a dar a sopa ao Cão. Suas pernas tremiam. Temia o fim, mas, mesmo que molhasse as calças, não baixou o revolver. Morreria sim, mas levaria outro junto ao inferno! — Senão o que? Fala sério. Eu não posso sair daqui... vivo!
— Tem razão — concordou o caucasiano, baixando a arma. — Vamos te matar, mas bem longe daqui!
Uma sombra projetou-se vinda da curva, ao lado da porta, onde jazia o cadáver. O invasor de preto sentiu algo azedo subindo pelo esôfago. Algo azedo e carregado de tristeza.
O quarto segurança surgiu da curva. Seu corpo grosso e pesado grudado às costas da prisioneira e a pistola engatilhada e prestes a explodir seus miolos.
O invasor, subitamente, de impávido passou a ser um menino amedrontado por monstros debaixo da cama. A arma que estava travada na cabeça do segurança, a arma que era sua apólice de sobrevivência, lentamente deslizou por seus dedos e caiu sobre o piso, produzindo um agourento tilintar. Havia falhado e, a julgar pela queimação em seu estomago, havia falhado miseravelmente!
2: A chegada.
A maca era empurrada pelos corredores do hospital. Empurrada em cercada por incontáveis corpos vestidos de branco que, misticamente, apertavam botões, tiravam batimentos, cravavam agulhas em suas veias... aquilo era mágico: como podia caber tanta gente por metro quadrado em torno daquela garota pálida e de boca espumante?