O Salão apinhado de homens e mulheres tinha parca iluminação. O ar abafado tinha uma nota gélida, ainda que a respiração dos participantes do banquete o aquecesse - lá fora, neve cruel cobria a paisagem. Havia bebida, cerveja, vozes e agitação. Mas fome, comida e álcool haviam colocado a maioria dos convidados sentados quando os principais pratos do banquete foram servidos. No ano de 1.090 do calendário Juliano*, a corte do rei Inglês contava com um bardo - um grande nome - e por anos aquela terra não havia conhecido um tão bom.
Uma figura excêntrica e magnética, que capturava a atenção dos comuns mesmo quando tentava permanecer anônimo. Era alto, constituição enxuta, cultivava uma barba muito bem cuidada, assim como cabelos. Estava sempre vestido com roupas limpas, procurava manter alguma higiene, coisa pouco comum para a maioria. E claro, era fonte constante de boatos. Diziam na corte que o bardo, nomeado Emrys, é uma criatura vil, pagã, que vendera a alma ao diabo em troca das histórias do mundo e de boa voz. Mal sabiam eles que em parte estavam certos - Emrys constituía parte da Tríade do sacerdócio da antiga religião*² - pagão. A maioria dos homens e mulheres intitulados bardos não passavam de rascunhos indecentes do posto com que Emrys fora investido.
Contudo, naquela sociedade, não era interessante espalhar a verdade. E sua religião estava agora quase morta para o mundo. O que ele poderia fazer era manter alguma da sabedoria e conhecimento. E se os Deuses permitissem, encontrar alguém com competência suficiente para passar adiante a sabedoria dos antigos.
Um rapaz aprendia com ele, agora, há três anos. Emrys não tinha tempo a perder, pois sabia que precisava encontrar alguém apto, mas não tinha certeza sobre o garoto. Ele tinha potencial, sem dúvida, mas havia sido educado pela rudeza, então não sabia se algum dia sua mente e coração estariam prontos. Naquela tarde mesmo havia ensinado ao rapaz alguns conceitos e lhe passado o conhecimento sobre as anam chara*³ - as almas amigas.
Naquela noite, como sempre acontecia, haveriam de pedir que ele cantasse algo. Que contasse uma história. Então observava a platéia enquanto tal pedido não ocorria. Ao notar um grupo pouco mais distinto dialogar sobre o inferno, a boca de Emrys relaxou em um sorriso tímido. Aqueles homens falavam sobre sofrimento e punição, contudo, o que aqueles homens poderiam saber das mazelas do mundo? Cultuavam o sofrimento de um Deus e não sabiam quantificá-lo. Falavam em dor, mas o que é a dor comparada ao tormento da alma? Apenas os corações Negros sofreriam ao deixar essa Vida?
Então quando o rei dirigiu a Emrys bêbados pedidos por entretenimento, o bardo já tinha na ponta da língua a próxima atração. Ergue-se e afastou-se do canto reservado onde estivera até então, trazendo consigo a harpa que estivera dedilhando. Gostava dela e de sua flauta, contudo as colocaria de lado hoje.
Entoou então, com for clara e firme:
- Se me concederes a honra, meu rei, irei contar a vossa majestade e todos os presentes uma história que ouvi ainda menino. Foi-me passada pelo meu pai, que aprendeu com o pai, e que tem corrido minha família a gerações. Fala sobre os guardiões do mundos dos...
- Espíritos? - Interrompeu um dos cavaleiros. Sir William era um dos cortesãos que não perdiam uma oportunidade sequer de prejudicá-lo, mesmo que fosse de forma tão infantil. - isso é blasfêmia. Cornwall, nosso bispo, concorda, não?
- É apenas uma história, meu bom sir William. - Volveu o bardo - Garanto que meu intuito é vossa diversão. Uma fantasia. Creio que os distintos convidados de nossa Majestade entendem isto. A não ser, é claro, que pense que as tomo por verídicas. Ou o senhor as toma?
Emrys não permitiria ao bispo expor suas opiniões. Depois de algumas risadas e reclamações do sir, o bardo pode finalmente voltar a falar:
- Os guardiões do mundo dos espíritos. Veja, há um limite entre o céu e o inferno, e diz a história, existe na fronteira em comum de todos os mundos, uma cidade. Lá todas as línguas são uma, e lá todos os caminhos se cruzam. Assim, todas as almas passam por aquele local. Não é um lugar nem bom nem mau...
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Anan Cara
FantasyEste é o resumo de uma idéia que tive a anos atrás para um livro. Duas almas que vagam unidas, pois teriam destinos opostos, escolhem permanecer juntas no "limbo". Por favor, me enviem suas opiniões. Eu tenho pouco tempo, então gostaria de investi...