Capítulo Único

5.7K 600 1.4K
                                    

"I will dance with the devil tonight" = Eu dançarei com o demônio essa noite  

 Link da música: https://www.youtube.com/watch?v=lMSkC2PGyTs  



A saída do hospital foi silenciosa, embora o som dos bips dos aparelhos ainda estivesse em sua mente. Um longo e interrupto som agudo que indicava o fim da vida.

Naruto não se importou com a chuva que caía. Sua esposa havia acabado de morrer. O pai dela, seu então ex sogro, chutara-o do hospital enquanto gritava insultos e o culpava por tudo. Mas não era sua culpa, sabia que não poderia ficar de olho em Hinata todo o tempo, sabia que não tinha como impedir todas as novas tentativas de suicídio, sabia que algo maior a conduzia passo a passo para a morte. E agora ela estava morta.

O frio deixava seu corpo ainda mais fraco. O vento forte o obrigava a colocar o braço na frente do rosto e roubava assim suas lágrimas.

Inerte. Movia-se puramente por inércia. Sofria por Hinata, mas, de certa forma, já estava conformado. Era duro admitir, contudo estava ciente de que uma hora a situação ficaria insustentável para ela.

Entrou na igreja. As portas pesadas davam a impressão de quererem dificultar sua visita, dizendo-lhe que não era digno de tal acolhimento. Mesmo assim, entrou.

O altar decorado estava logo à frente, iluminado pela fraca luz que passavas através dos vitrais e pelas velas cujas chamas balançavam com o vento que adentrava a construção. A melancolia do ambiente abraçava a dor de sua alma, e Naruto sorriu triste para as esculturas e para os quadros que o acompanhavam enquanto avança na igreja.

O cheiro da madeira era familiar. Seus dedos se arrastavam pelos bancos, lembrando-o de como era a textura. A última vez que estivera ali fora para seu casamento e ainda conseguia de lembrar de cada detalhe...

Casara-se com Hinata aos dezenove anos, uma atitude desesperada a fim de ajudá-la com a depressão. Casamento na Igreja, festa em um lugar aberto e bonito, com convidados alegres, amigos rindo, um fotógrafo contratado de última fora, um bolo imenso e uma felicidade que não cabia no peito. Por seis anos, aquilo funcionou. Porém, no sétimo ano, após os médicos decretarem com todas as letras que Hinata era infértil e que não poderia gerar um filho, tudo voltou à estaca zero.

Foi como assistir à ruína de um frágil castelo de cartas...

Naquele dia, as palavras dos médicos haviam sido o atestado de óbito da esposa.

Psicólogo e psiquiatra nenhum foram capazes de alcançar Hinata depois daquela notícia. Nem mesmo Naruto conseguia a atenção dela. Hiashi, seu sogro, não aceitava. Ele gritava aos quatro ventos que era ele, Naruto, o problema, o inútil, aquele que lhe tirara a primogênita de casa e a fazia infeliz.

E, então, depois de três anos de namoro, de oito anos de casado, tudo havia finalmente chegado ao fim.

As lágrimas escorriam silenciosas, uma atrás da outra. As velas e as paredes isolavam Naruto do frio externo, mas isso também só o deixava mais consciente de suas roupas encharcadas. As pessoas, poucas, oravam baixo, ajoelhadas e imersas nos próprios sentimentos. Naruto agradeceu pela falta de atenção que recebia e, assim, foi até um dos bancos vazios, próximos ao altar, e se ajoelhou ali. Juntou as mãos, apoiou a cabeça nelas e desfrutou do silêncio.

Não orou, não pediu ajuda ou perdão, apenas permaneceu ali até que a noite caísse.

— Dia difícil?

Era consigo? Não, não queria que fosse. Mas com quem mais seria estando a voz tão próxima dele? Ergueu a cabeça, olhou para o lado e encontrou um estranho qualquer. Ele o observava, parando sua atenção na poça d'água ao seu redor. Suspirou, levantando-se para se sentar no banco e só então notar os joelhos doloridos pela posição anterior.

I will dance with the devil tonightOnde histórias criam vida. Descubra agora