Amor
Oh, saboroso amor
que o inverno não dissipou
mas veio trazer o vigor
que toda a vida transformou
Tem tão maravilhoso calor
a voz que a fraqueza aviltou
com tão poderoso fervor
lugar onde minha alma sossegou
Oh, Maravilhoso Salvador
que com eterna paz me coroou
Todo Poderoso Senhor
que em meio á minha mentira
triunfou!
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Observei as crianças, tão graciosas á brincarem sobre o tapete da sala. Totalmente alheias ao meu mundo de concepções; á minha busca por respostas, para perguntas que não se tem feito com relevante frequência; aos problemas tão irritantemente rotineiros do dia-a-dia; á bomba relógio que era a minha vida.
Completamente despojada de malícia, foi a pergunta que me fez minha esposa. Tão simples, tão natural, tão necessária.
— Vamos comer? Márcio... Márcio. Ei!
— Ãh? O que é?
— O jantar está na mesa. Onde está sua cabeça?
— Estou sem fome. Quer saber, farte-se você!
Tão despojada de escrúpulos foi a minha. Assim como a foi minha atitude conseguinte, de sair sem dizer aonde ia. E sou sincero em dizer que naquele momento não diria, mesmo que soubesse.
Deixei-mepermear pela paisagem que se dispunha à minha frente, e esforcei-me poresvaziar-me de uma sensação de perda de tempo. Conjetura bem particular cujoprincípio básico é estar sempre fazendo algo; utilizar o tempo da melhor formapossível. Meu pensamento aventurou-se por novas perspectivas, e ponderei que ásvezes a melhor forma de aproveitar o tempo pode ser não fazendo nada. Pelomenos fisicamente. Porém minha consciência não efetuava a mesma assimilaçãoquando se tratava de meus problemas pessoais. Eu tinha cometido umabrutalidade. Argumentei à minha quebrantada consciência que eu definitivamentenão era bom em assuntos interpessoais, ao que ela me retorquiu que a questãonão era ser ou não bom, como se tratasse de algo que exigisse que eu fosse tecnicamente habilidoso, mas sim de uma virtude que residia em mim.
À frente, o lago tão silencioso, tão perturbadoramente silencioso. Senti uma necessidade de ouvir algo verdadeiro, vindo de uma voz terna, consoladora. Uma voz que quebrasse o silêncio do lago, e me envolvesse de uma segurança paternal.
Passei a mão por baixo do assento do carro e visualizei uma garrafa de uísque. Não sabia há quanto tempo estava ali. Talvez o espaço de uma vida, de outra vida. Mas se a vida que eu vivia não era ainda a nova vida desejada, tampouco foi a passada.
Caminhei mecanicamente até a margem e despejei o líquido. O cheiro da bebida se misturou à noite, e me trouxe uma sensação desagradável que eu quis logo suprimir. Caminhei de volta ao carro, contrário ao vento forte que soprava naquela noite. Estava mais calmo agora, apesar de não estar resolvido nenhum problema. Não obstante, pareciam agora menores e mais simples.
Raquel corrigia algumas provas de seus alunos quando cheguei. Sentei-me ao seu lado, e ela não parou de trabalhar.
— Corrigindo provas?_ perguntei redundantemente, por não saber o que dizer.
Ela me fitou, ajeitando os cabelos, que reluziam uma cor dourada à luz do abajur.
— Sim, como vê_ disse.Em seguida, recolhendo os papéis:_ vamos dormir?
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Fiquei desconcertado. Esperava por uma reação de indignação, ou até de desdém fingido, mas aquela fria indiferença me assustou.
Reli no monitor o texto que havia escrito. Nada além de uma maquinal descrição dos fatos. Reclinei-me na cadeira, com as mãos à cabeça. A mesma dificuldade em escrever dos outros dias. Ausência de interesse pela matéria. Não sabia ao menos se ainda era um jornalista.
Tirei um pouco de café da máquina, e escorei-me à parede do corredor. Juarez, revisor de textos e meu único amigo no jornal, passava com seu invariável bom humor. Apesar da tendência do jornal em extinguir tal cargo, continuava a mantê-lo devido ao longo tempo que Juarez o exercia.
—A matéria sobre os pedágios está pronta? Preciso dela para hoje à tarde_ brincou, fazendo um gesto de impaciência.
Esbocei um sorriso amarelo. Ele captou que algo me incomodava, mas não disse nada sobre.
—Almoçamos juntos?_ perguntou, ao que eu apenas assenti com a cabeça.
—Passe em minha sala depois do almoço_ disse Rubens, ao passar por nós, sem parar e sem esperar por minha resposta.
Juarez olhou-me com uma expressão sarcástica e saiu, carregando seus 120 kg.
O almoço foi parco, mas saboroso. Juarez contava anedotas, para as quais eu não atentava.
— O que houve?
— Nada de mais. Problemas pessoais...
— Ah sim. Essas coisas passam, mas se quiser me contar... _ ele disse, com o típico constrangimento existente entre os homens quando tratam de assuntos pessoais.
— Não estou conseguindo trabalhar. Tenho a sensação de que todas as idéias já foram usadas, e não consigo me interessar pelo conteúdo.
— É só uma fase. Eu mesmo já estive assim muitas vezes.
— Ultimamente tenho pensado em outras coisas.
— Outras coisas? _ ele divertia-se, tentando espetar uma ervilha.
— É. Coisas mais... edificantes.
— Edificantes?_ ele riu, como se eu tivesse contado uma piada. _ Só falta você me dizer que vai entrar para a igreja. Ai, ai, edificantes. Você me mata.
Senti uma sensação esquisita de solidão, contudo Juarez era um bom amigo.
— O que será que Rubens quer comigo?_ procurei mudar de assunto.
— Deve ser a mesma coisa de sempre. Prazos, trabalhos mal aceitos ou coisa do tipo.
Mas algo na expressão de Rubens não me convencera disso. Sentia a iminência de algum acontecimento que poderia ser bom ou ruim, ou ainda, de relativa conveniência. Senti medo. Eis minha falha, eis o meu grande erro.
Minha impressão se confirmou duas horas depois. Quando entrei em sua sala, Rubens continuou fazendo várias coisas, enquanto principiava a conversa. Percebi que era uma tática á dar naturalidade a um assunto indesejado.
Depois de algumas palavras triviais, ele perguntou:
— Estou te achando um tanto cansado ultimamente.
— Talvez... _ restringi a resposta á uma palavra, não sei por qual motivo, mas acho que porque me faltou um pouco o que dizer.
Rubens girou noventa graus em sua cadeira, acendeu um cigarro, depois disse com uma voz forçadamente natural:
— Você deve tirar umas férias.
Continua...
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Primeiro Amor.
SpiritualAdicionei a continuação da obra, leitores! Daqui há uns dias, posto a terceira parte. Boa leitura! "Ricardo é jornalista, e conhecedor da Palavra. No passado, foi liberto de vícios e de uma vida destrutiva. Agora, porém, percebe que sempre faltou al...