Levei um choque. Eu bem sabia que neste caso a palavra férias não incorporava seu atributo literal. Minha primeira reação foi de defesa. Por mais enfadado que eu estivesse, eu havia me acostumado ao emprego, ademais eu necessitava-o.
— Eu sei que meu rendimento tem decaído, e até a qualidade, mas é só uma fase. Olhe, eu estou passando por problemas em casa...
— Márcio! De qualquer forma, fique um pouco em casa, vai te fazer bem. Eu já contatei alguém que pode te substituir. Uma mulher. Tem bom currículo, se expressa bem, é moderna, atualizada, acho que tem competência.
A afirmação soou-me como uma facada. A ideia de ser substituído me subjugava, e o desconforto que proporcionava sobrepujava ao do de ser demitido. Porém sobrepujava a um e outro, o desconforto de perceber que estava me deixando afetar por uma situação tão pequena. Não mais resisti, e deixei-o sem dizer nada.
— Você não precisa ir hoje_ tentou consolar-me Juarez enquanto, resignado, eu reunia minhas coisas.
— Sabe de uma coisa? Eu quero ir hoje; agora; neste momento.
— Aproveite bem esse tempo com sua família. Talvez seja o que você precisava para resolver aqueles seus problemas. Depois você volta com gás novo para recomeçar.
Sorri ironicamente. Eu sabia que se voltasse, seria para ouvir minha demissão oficial. Uma colega se aproximou.
— Vai tirar umas férias, Márcio? Veja só, isso não é para qualquer um_ era o escárnio destrutivo de que eu não precisava naquele momento.
Formulei umas dez respostas, e não efetuei nenhuma. Até porque urgia sair daquele lugar. Sentia-me humilhado, envergonhado e observado. Precisava de algo que julguei encontraria em casa. Funesto engano. Tal qual o de pensar que meu dia terminaria mais calmo do que iniciara.
Quando Raquel chegou, eu tentava, a pedido de nossa filha, combinar as cores de um cubo mágico.
— Tive um dia cansativo_ observou enquanto tirava os sapatos._ Diana! Como está, filha?
Diana circundou seu pescoço e lhe falava sem parar, o que havia feito na escola e como eu havia chegado mais cedo e brincara com ela até então. Depois saiu galopando seu cavalinho de madeira. Raquel me olhou por uns segundos, parecendo analisar-me. Em seguida disse:
— Quero falar com você_ ela buscava o meu olhar, que se desviara.
Parecia que meu dia seria mais longo do que eu prevera. Não lhe respondi nada. Ela ensaiou dizer-me algo, mas nosso filho vinha do quarto e abduziu sua atenção.
— Oh! Como estamos, bonitão? Foi à aula de teatro?
— A professora disse que sou um dos melhores. — Muito bem, mas vamos com calma, hein Ricardo?!
— O que você queria me dizer?_ perguntei quando ela saiu do banho.
Ela parou de escovar os cabelos e me dirigiu um olhar de tenebrosa brandura.
— Não sei por onde começar.
— Fale sem rodeios_ sugeri, nervoso.
— Bem, do jeito que as coisas estão, você sabe, acho que é melhor nos afastarmos por algum tempo.
— Parece que resolveram me dispensar hoje com um discurso ambíguo e hipócrita_ disse com um sorriso irônico.
Seu olhar tornou-se interrogativo.
— O que houve?
— Fui demitido_ declarei, passando as mãos pelos cabelos.
Creio que a informação a tenha desconcertado. Contudo, não transpareceu a totalidade de seu efeito.
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Primeiro Amor.
SpiritualAdicionei a continuação da obra, leitores! Daqui há uns dias, posto a terceira parte. Boa leitura! "Ricardo é jornalista, e conhecedor da Palavra. No passado, foi liberto de vícios e de uma vida destrutiva. Agora, porém, percebe que sempre faltou al...