Como a certeza da morte mudou a minha vida

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CAMILA POV ON

Lauren doente. Eu não podia acreditar
nisso. Minha namorada, futura esposa, com uma grave doença. Não. Lauren era, ou melhor, é praticamente tudo o que tenho. Ela e Sofi são a minha vida.

Minha mulher entrou na minha vida logo na adolescência. Estudávamos no mesmo colégio, ela no ensino médio e eu no fundamental. Eu jamais poderia imaginar que um dia eu me apaixonaria loucamente por aquele ser rude e lindo que só se preocupava com o próprio nariz. Mas aconteceu.

Imaginem uma pessoa linda, agora multipliquem por 1000. Lindos olhos verdes, uma boca que parece ter sido completamente desenhada, pele branca completamente macia, o cabelo liso ondulado um pouco desalinhado que cai sobre sua face, e seu cheiro... aaaah, uma mistura amadeirada, com algo que se me recordo bem, pode ser considerado cheiro de rosas. Sim, rosas. É algo sem explicação. É assim que descrevo a beleza da minha namorada para as pessoas que não a conhecem.

Lauren é uma pessoa muito ocupada, é dona de uma das empresas mais respeitadas de Miami, a Jauregui, e por isso na maioria das vezes acaba não tendo tanto tempo pra família e amigos, pra nós. Mas agora após receber esse diagnóstico de que pode ter apenas mais 250 dias de vida as coisas estão mudando.

Eu ainda não acredito que Lern possa simplesmente morrer assim, da noite pro dia, mas ela por sinal já se acostumou com a ideia e vem reformulando e fixando novas metas para cumprir antes que o pior aconteça. Segundo ela, esses serão os melhores 250 dias não só da vida dela, mas também das pessoas que a cercam.

Meus pais morreram a aproximadamente 7 anos, era uma coisa pela qual eu não esperava. Em um momento você tem sua família, uma casa, tem a alegria transbordando de sua aura. No outro você se vê diante de um beco sem saída. Sem os pais, sem casa, sem comida, com a raiva e a tristeza se mostrando presentes em cada detalhe e ainda de sobra uma irmã pequena que mal sabe andar, para cuidar. Não é algo muito fácil de aceitar. Meus pais não eram daqueles todo certinhos, um exemplo pra sociedade. Mas ainda assim eram meus pais. Lauren foi a principal responsável por me ajudar a superar isso algo tão grande como uma perda dessas. Ela cuidou de mim como se eu fosse a obra mais importante de uma raríssima coleção de quadros, me protegeu como se eu fosse a joia mais rara já encontrada, ela me fez mudar, da mesma maneira que mudei ela.

LAUREN POV ON

Talvez seja difícil acreditar nisso. Eu entendo.

Afinal, quem encara a morte assim? Como a morte pode ser organizada – mesmo para uma contadora? Como é possível manter a calma? Como evitar a busca por um milagre?

Será que é mesmo possível lidar com a morte de forma construtiva, como em qualquer outra fase da vida? Com ânimo e não apenas com esperança? Apresento-lhes aqui, uma contradição implícita.

Porque não transformar esse período que é considerado o mais terrível de todos, no melhor de todos os períodos de sua vida?

Para a maioria das pessoas, é extremamente difícil aceitar o fantasma da morte. Ninguém quer passar sequer um minuto pensando na maneira como pode morrer, quando, onde, ou se é que vai morrer em algum momento mais cedo ou mais tarde. No entanto, as pessoas já não conseguiam mais ignorar a ideia de pensar na morte a partir do momento em que me olhavam. Nem mesmo minha namorada me olhava com aquela esperança que tinha até alguns dias atrás. Talvez seja pelo fato de que ela era a única que literalmente sabia por tudo que eu estava passando. Desde que recebi o diagnostico Camila não sai do meu lado um segundo sequer, passamos dias e noites em casa, jogando videogame, assistindo bob esponja, dançando e cantando. Coisas que, desde que me tornei a sócia majoritária da empresa, não fazemos mais juntas. Pra muitos seria errado eu falar que eu literalmente estou amando essa doença, mas é o mais certo a se dizer. Passar dias e dias ao lado de Camila vendo aquele lindo sorriso se abrir pra mim, vendo o carinho e cuidado que ela estava tendo para com a minha pessoa, me deixa tão leve.

Muitos de meus amigos e parentes andam me implorando para tentar algum tratamento radical na esperança de um milagre. E muitos deles andam chateados por eu ter optado não arriscar nenhum e decidir optar apenas pelo meu método que é aproveitar a vida como se aquele fosse o meu ultimo dia nesse plano. Acham o cumulo eu de alguma forma rejeitar aos milagres que podem ser causados pelos métodos existentes de uma possível cura da minha doença.

Eu ansiava pelo dia seguinte, esperava com toda a esperança do mundo ver ao pegar o jornal, primeira pagina do New York Times, uma descoberta medica miraculosa que seria capaz de me presentear com pelo menos mais algumas décadas extras de vida, ou alguma cirurgia ou remédio onde houvesse 100% de cura da minha doença. Porem não posso me dar ao luxo de desperdiçar meu tempo e energia criando falsas esperanças a partir de tais possibilidades.

Tem gente que escreve o próprio obituário. Muitos sem dúvida, já escolheram seus túmulos e deixaram instruções e preferências especificas, enterros, cremação, doação de órgãos e ate mesmo doação de seus corpos para pesquisas médicas. Antes, porém, da hora de elaborar a derradeira e mais importante lista de afazeres da minha vida, eu jamais encontrara alguém empenhado em administrar a própria morte de forma tão consciente. Estou fazendo isso simplesmente por ser quem eu sou: metódica, organizada, direita, meticulosa. Que culpa eu tenho? Sou contadora não apenas por formação, mas por temperamento. As características que me fizeram ser capaz de crescer no mundo das finanças e da contabilidade também me tornaram incapaz de agir sem planejar – inclusive morrer.

Estou aprendendo tantas coisas que me parecem extraordinárias, nessas ultimas semanas (como eu desconfiara que aprenderia). Ando seguindo o impulso de querer ajudar as pessoas, principalmente Camila, a entender e a encarar esta etapa pela qual estou passando como algo que merece ser vivenciado se você se preparar.

Duas semanas após eu ter recebido o diagnóstico, em um dia deslumbrante, enquanto caminhava pelo Lummus Park, comentei com uma das minhas melhores amigas, Normani Kordei, que havia sido a pessoa que mais me orientara desde que eu herdara a empresa:

- A maioria das pessoas não tem esta oportunidade. Ou está doente demais ou não tem a mínima ideia da proximidade da morte. Tenho a oportunidade única de montar o melhor planejamento possível.

-Lauren, as coisas não são bem assim. Sabe disso não sabe? - olhou-me com uma expressão que se eu não a conhecesse bem diria ser medo.

-Eu ainda tenho meses Mani, vai dar tudo certo - eu olhava-a demonstrando toda confiança possível. Se para muitos a morte ou a possibilidade dela era motivo de pavor, para mim seria apenas mais uma fase pela qual eu passaria - confie em mim.

Acho que o olhar dela foi mais espanto do que de admiração, mas não tenho certeza.

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⏰ Última atualização: May 21, 2017 ⏰

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