Capítulo I

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Tanto eu quanto meu pai odiávamos o inverno, era uma das poucas e únicas coisas que tínhamos em comum. Lembro-me que, quando pequena, nós íamos às praias de Cabo ou viajávamos para Tailândia quando essa maldita estação do ano chegava. Nós dois costumávamos concordar que a neve só era bonita em fotos e para vestir roupas elegantes, pois na vida real, o frio trazia com ele certa solidão, angustia e lembranças ruins. Não era nada acolhedor. 

Mamãe havia adoecido e falecido durante o inverno de 2004 e talvez fosse esse o motivo para sermos assim, tão preconceituosos com essa estação. Eu não me lembro muito bem, tinha pouco mais que quatro anos quando ela adoeceu, tumores cerebrais, disseram. O médico não deu a ela muito tempo de vida e por isso ela quis terminar seus dias em nossa propriedade em Oxfordshire como seu último desejo.

Tenho poucas lembranças daquelas semanas, a maioria envolve alguém que não reconheço em cima de uma cama, se deteriorando a cada dia, hora, minuto – tão rápido quanto um piscar de olhos –. A última boa memória que tenho de mamãe é de nosso caminho para aquela casa, ela tinha cachos loiros envolvidos em seu rosto, ria alegremente e cantava canções infantis para que eu me distraísse e adormecesse, às vezes olhava para banco de trás e dizia algo como "Você ainda não dormiu, Amber?" e às vezes olhava para papai com certa pena, desmanchando seu cabelo castanho em suas mãos "Tudo vai ficar bem, querido. Mas agora preste atenção na estrada". Nevava muito, era um dia parecido com o de hoje. Papai percorria este mesmo caminho, possuía este mesmo ar de decepção.

– Você não precisa ficar com raiva para sempre – resmunguei depois de tortuosas quatro horas de viagem em silêncio. Habitualmente, era sempre eu a dar o primeiro passo.

– Não estou – ele disse, fingindo prestar atenção na estrada esbranquiçada. Embora os óculos de aros grossos e a barba mal feita pudesse dar a impressão errada, meu pai não era nada velho como a maioria dos pais. Tinha quarenta e dois anos, há vinte anos descobriu o crossfit – ou a versão antiga disso – e nunca mais largou. Em seus melhores dias vestia-se muito bem, namorava mulheres mais jovens e vivia uma vida interessante entre o mundo da moda e da tecnologia. Seu maior hobby era patrocinar eventos como a fórmula 1 e sair em capas de revista, nas horas vagas, costumava ser um pai mesmo.

– Eu sei que eu aprontei, mas não preciso desse tratamento, poxa.

– Amber, você sabe como sua mãe queria que você entrasse nessa escola? Nós reservamos sua vaga quando você tinha, sei lá, dois meses? Desde então eu venho fazendo doação atrás de doação para que você finalmente fosse aceita. – novamente, o sermão de missionário – Por Deus, uma festa? Você podia ir a milhares de festas nas férias se quisesse, mas não no período de aula, droga –.

Não me entenda mal, não faço o gênero rebelde sem causa, sou até muito bem comportada, tiro boas notas e adoro o clima de internato. Mas convenhamos, eu tenho dezesseis anos, o que ele queria? Todas as meninas do colégio estavam indo para essa festa na cidade, alguém do internato masculino havia mandando uma mensagem para Sierra, que havia mandado para Louise e que mandou para o resto do colégio. Todo mundo, eu digo, TODO MUNDO foi e a maioria ficou muito bêbada, algumas sequer conseguiram voltar para a escola com as próprias pernas. Poxa, eu não fiquei muito bêbada e voltei para a escola antes da seis da manhã, mas tive o azar, o doce azar, de encontrar o Sr. Roberts na escada de emergência, ele que nutria um carinhoso afeto por minha pessoa desde o dia que pisei meus pés ali, conseguiu finalmente o que queria, me expulsar do internato. Maldita cobra enxerida!

– O que está feito, está feito. Você vai ficar muito bem com a Sra. Rochester, ela é uma ótima tutora e está com nossa família...

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⏰ Última atualização: Dec 07, 2022 ⏰

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