Os pensamentos enchem-me a mente. Não o devia julgar só porque o tolo do meu subconsciente o acusa da morte dos meus pais. Talvez eu esteja a por as minhas ideias em desordem e a inventar isto tudo da minha cabeça. Provavelmente, ele é apenas um adolescente antipático e eu uma maluca, por já ter a certeza que ele é um assassino que me deu umas meras moedas há anos atrás.
Eu fecho a porta devagar e posso observar tudo com mais calma e consciência do que na noite anterior. É de manhã e certifiquei-me que Harry tinha saído para dar uma corrida. Os edredões pretos da sua cama de casal estão completamente estendidos e isso cria uma certa surpresa em mim. Uma janela gigante, que ocupa à vontade uma parede, está meia fechada com o estoro o que faz com o quarto fique sombrio. Não há nenhuma secretária naquele mundo, então eu começo por abrir uma gaveta da sua mesinha de cabeceira. À primeira tentativa eu encontro um sutiã e vários preservativos, e consequentemente eu reviro os meus olhos e abano a minha cabeça como desaprovação. Na segunda gaveta, eu encontro uma caixa rectangular e bege. Está obviamente fechada a cadeado. Eu tento abri-la com um gancho do meu cabelo longo castanho claro. Depois de uma eternidade de tempo perdido, eu desisto. Abano-a para tentar perceber o tipo de coisas que podem estar lá dentro. Não faz muito baralho então eu deduzo que seja algo em papel como algumas fotos ou pequenas notas ou até um diário.
Ouço a porta da entrada a bater fortemente, por este modo eu tenho a certeza que seja Harry. Eu faço figas para que ele não se lembre de vir à sua casa de banho, no seu quarto, tomar banho e vá directo à cozinha para passar algum tempo com Elisabeth, apesar de eles falarem pouco. Se ele entra, encontra-me ajoelhada em frente à 2ª gaveta da sua mesa pequena e com mão a fazer figas e a outra ocupada com a caixa metálica bege. Para finalizar, o cabelo totalmente despenteado e o meu pijama vestido aos ursos de peluche azuis.
Eu suspiro ao ouvir os seus passos perto mas num instante muda de direcção. Arrumei tudo cuidadosamente no mesmo sitio. Olho pela última vez para o quarto do Harry. Não sei a razão mas eu gosto bastante de estar ali e sentir o cheiro por todo o lado.
Eu subo cuidadosamente para não acordar Anne,Robert e Katie, numa manhã de domingo.
*
Aperto o meu cinto e olho para trás. Katie aponta para o seu já posto e eu dou-lhe um sorriso de aprovação. Harry entra segundos depois e procura as suas chaves no seu bolso esquerdo. A velocidade maluca e a música alta retomam de novo, ao seu carro. Esperei que ele hoje fosse tão simpático como foi naquela noite, mas eu já devia deduzir que isto iria acontecer.
-Podes andar mais devagar e por isto mais baixo?! – eu resmunguei alto para que a minha voz se ouvisse.
-O carro é meu. Faço dele o que quiser. – ele respondeu com o seu olhar fixo na estrada.
-Como queiras. – encolhi os meus ombros.
Ele travou meia hora depois, perto do colégio.
-A tua irmã pode sair.- Harry disse amargo.
Preparei-me para abrir também a minha porta mas ele rapidamente a trancou.
-Então?!- olhei-o confusa.
-Eu falei apenas a tua irmã.
-Não quero faltar às aulas, palhaço. – cerrei os meus olhos.
-A tua irmã pode sair. – ele repetiu calmamente.
-Katie, não te importas…
-Eu vou, mana. Eu percebi o que ele disse. – Katie interrompeu-me. Chegou-se à frente e deu-me um beijo rápido de despedida. “Tem cuidado”, eu pude ouvi-la a pensar.
Harry deu meia volta assim que ela saiu. O carro ficou estranhamente vazio. Ele baixo a música e abrandou a velocidade. Eu perguntava-me onde ele me levava.
-Eu não queria mexer nas tuas coisas. – Harry rompeu o silencio que parecia eterno.
-Não percebo porque fizeste tal coisa. – eu tentei culpabilizá-lo sabendo que tivera feito o mesmo. Que crueldade.
O silêncio voltou de novo. Eu percebi que o caminho esta a ser invertido e estávamos a voltar outra vez para o colégio. Que raio?
-Harry? – falei baixo
Ele ignorou. Eu sabia que ele tinha ouvido.
Queria perguntar-lhe sobre tudo o que suspeitava. De Manchester, do nosso suposto encontro à anos atrás. Mas talvez eu não queria saber apenas isso. Eu senti uma enorme necessidade de perguntar tudo a seu respeito. Queria saber e ter na minha mente a sua vida.
Eu fechei a minha boca e mantive-me calada longos instantes. Se eu perguntasse fosse o que fosse de certeza que as suas respostas possíveis eram ou ele ignorar ou responder-me rudemente tal como “não tens nada a ver com isso”.
Pensei que aquela estranha viagem a sós fosse pela razão de ele me querer pedir desculpas. Ele era totalmente orgulhoso e ter uma criança de nove anos a ver-lo frágil a pedir perdão, devia ser um pesadelo para ele.
Eu peguei na minha mala e preparei-me para sair do seu carro, já que estávamos de novo no colégio. Harry fez o mesmo e eu fiquei contente por ele hoje não faltar.
-Espera, Rachel. – ele falou calmo.
*
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