Um

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O que minha mãe iria dizer se me visse encurralada em um canto com os olhos lacrimejando e pedindo a Deus para que ele me levasse de vez? Eram três horas da tarde quando vi o sol brilhar no céu azul e as folhas balançarem calmamente, talvez por medo do calor. Pela janela, eu calculava esse movimento e fiquei extasiada com a bela natureza ao meu redor. Eu morava em um lugar maravilhoso. Um lugar onde as crianças corriam pelas ruas à vontade e as mulheres conversavam ao ar livre todas às tardes. As moças ainda namoravam no portão e os rapazes andavam cheirosos procurando mais uma donzela para cortejarem. Um lugarejo ao redor de Nova Yorque onde eu nasci, cresci e estava pronta para deixar para trás. Olhei para as malas no chão e pensei como seria bom se eu voltasse no tempo...

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Dois dias antes...

A mesa de Jack estava empilhada de papéis para serem enviados a diretoria e ela estava na minha frente reclamando de mais uma de suas enxaquecas. Olhei para ela e percebi que sua feição não estava mesmo muito boa. Critiquei a sua forma de levar a vida em apenas duas palavras: Poxa, menina! Foi o suficiente para ela encostar mais na minha mesa e soltar um más.
Jack era do tipo de mulher que não aceitava ser criticada, mas nós nos conhecíamos ao ponto dela aceitar a minha evasão. Com aquele coque feito pelo próprio cabelo e aquele rosto angelical, ela mostrava-se uma pessoa bem diferente do que era. Mas eu gostava do que ela tinha e do que ela era para mim. Uma amiga de trabalho excelente e irmã do meu ex-namorado. Mesmo Erlan sendo um cara bonito, inteligente e perpicaz, nosso relacionamento não iria dar certo por dois motivos: ele era mulherengo demais para eu pensar em um casamento com ele e eu era altruísta demais para que ele aturasse as minhas insanidades. Ao longo de dois anos já estávamos sem aquele brilho no olhar e sem aquela vontade louca de um pular nos braços do outro. Jack presenciou tudo aquilo e foi a primeira a me consolar e a me encorajar a deixá-lo da maneira que eu o deixei.
Ela ficou compenetrada em mim.
__Lisa eu não sou volúvel feito você.
Não acreditei nas palavras dela e ao invés de gritar para tentar impor a minha opinião, eu apenas olhei para ela e rosnei:
__Jack, eu estou tentando a dias te alertar para você cuidar da sua saúde e o que você faz? Não adianta caminhar, ter uma excelente alimentação e não cuidar do vício que te pertuba tanto.
Ela ficou séria. Sabia que vinha mais uma reprovação por trás daquele olhar.
Eu gostava dela, mas sabia que a sua saúde não ia bem por causa do ritmo acelerado para o álcool. Ela tinha uma queda por wiskes doze anos e tequila. Isso atrapalhava a sua vida financeira e o seu casamento. Mas nada do que eu dizia surtia efeito.
O senhor Lupo entrou na sala e nos deixou assustadas. Ele era o dono do jornal e um dos empresários mais bem sucedidos de Nova York. Falava dois idiomas e era casado com uma senhora vinte anos mais velha. Diziam até que ele havia dado o golpe do baú para conseguir chegar onde chegou, no entanto, eu sabia do seu esforço na vida para ser quem ele era. Um homem que fez uma faculdade trabalhando como vendedor de anúncios de jornal bairrista era mesmo um cara de talento e merecia mais um pouco de respeito. Quem sabe se ele não gostava mesmo da senhora Nora?
__Lisa eu preciso falar com você--a voz dele soou grave aos meus ouvidos. O que ele queria dizer com aquelas palavras, meu Deus?
Jack tirou as mãos da minha mesa e voltou para o seu lugar. Ainda confusa olhei para o senhor Lupo e tirei coragem de dentro de mim para encara-lo. Ele nunca havia usado aquela expressão no olhar. Eu estava assustada, mas queria que aquilo acabasse rápido.
__Lisa você é uma excelente funcionária. Está comigo a bastante tempo, mas a empresa passa por uma crise e eu tenho que fazer uma seleção. A Jack tem uma família, dois filhos para criar e o marido está desempregado. Você é jovem e talentosa, logo irá arrumar outra colocação.
Eu não acreditava no que estava ouvindo. Fiz uma pausa em meus pensamentos e falei ainda pressionada pelo susto:
__Senhor Lupo, eu não estou entendendo?
__Estou te demitindo Lisa Peterson. À partir de amanhã você não fará mais parte do nosso quadro de funcionários.
Fiquei chocada por horas com aquelas palavras dele. Tirei todas as minhas coisas da gaveta da minha mesa e peguei o elevador após uma despedida breve de Jack e Lory. Eu ia sentir saudades delas. Foram as únicas companheiras durantes aqueles anos de trabalho. O Jornal Notice era parte de minha casa e eu o havia vinculado a minha vida. Tinha um apego muito grande também pelo senhor Lupo, mas eu tinha que entender os motivos que o levou a agir daquela forma. Jack era a funcionária exemplar e chefe de família e aquilo havia pesado nos conceitos dele. Lory era a colunista de 10 milhões de leitores assíduos e mãe da pequena Sophie, que tinha Síndrome de Down. Perto delas eu era apenas a jornalista que corria atrás de notícias viáveis, mas podia ser substituída por qualquer outra que fizesse um bom trabalho e que fosse de confiança a ponto de fazer também a contabilidade da empresa.
Cheguei em casa e dei de cara com o corretor na minha porta. Jess não estava com uma cara boa e aquilo me causou um arrepio nojento. Eu temia pelo que vinha atrás daquela visita repentina.
__Lisa. Precisamos conversar.
__Sim, claro. Vou terminar de colocar essas coisas dentro de casa e já conversamos.
__Sinto muito Lisa por vim sem avisar. Achei melhor falar com você pessoalmente.
Gelei com aquelas palavras, mas me mantive firme e continuei arrumando as coisas em cima da mesa. Tirava todas as sacolas do carro, vagarosamente, enquanto ele me olhava cuidadosamente.
__Pronto Jess. Agora você pode me dizer o motivo de sua visita?
__Lisa. Não quero que você fique chateada comigo. Eu estou apenas fazendo o meu trabalho.
__Você não é a primeira pessoa que vem me dar uma má notícia hoje, então, pode me dizer.
Olhei para ele.
__Lisa, o proprietário da casa foi me procurar e avisou que a casa seria vendida. Não levei muito em consideração pela dificuldade financeira que o mercado mobiliário vem enfrentando nesses últimos anos, mas ele ontem me ligou dizendo que o cunhado dele havia feito uma proposta irrecusável.
__Isso quer dizer?
__Sim. Isso quer dizer que você terá que encontrar outro lugar para morar.
Fui grossa com ele. Tinha que agir daquela forma. Como ele não me avisou de algo tão importante? Agora como de uma hora para outra irei arrumar um outro lugar para morar? Fiquei sem chão e as minhas pernas tremeram. Pensei em quanto era horrível ser sozinha na vida. Eu tinha que ter aceitado os pedidos de casamento que eu tive ao longo daqueles anos, mas não! Preferi ficar bancando de independente. Mesmo com um casamento falido Jack pelo menos tinha Klaus ao lado dela.
As coisas estavam fora do lugar. Primeiro eu perdi o meu emprego e agora eu estava sem uma casa para morar. Minha mãe morava no estado da Califórnia. Mesmo que eu quisesse morar com ela eu tinha que pensar no meu padrasto. Depois que o meu pai morreu, ele passou a ser a pessoa que a minha mãe idolatrava. Não iria adiantar bater na mesma tecla e tentar uma convivência com ele. Ainda mais depois do episódio gritante que houve entre nós dois no último verão. Ele ser um cafajeste já não era aceitável, mas ele ser cafajeste e inescrupuloso ao ponto de querer um romance comigo debaixo dos olhos da minha mãe era mesmo o cúmulo do absurdo.
Depois do banho fui para a cozinha e preparei um chá de camomila. Precisava de um relaxante e nada mais natural do que um chá. Preparei duas torradas com queijo parmessão e sentei na cadeira metálica. Fiquei pensando em Ed e no quanto foi massacrante aceitar a sua viagem para a Europa. Foram os dois meses mais felizes da minha vida, mas eu tinha que seguir a minha vida e entender que eu não havia nascido para o amor.

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