As brisas do fim da primavera começam a tomar conta do final de tarde, as nuvens são bombardeadas pelos últimos raios solares do dia, deixando-as alaranjadas e vagarosamente diluem-se no céu. Abaixo de tudo aquilo, um jovem garoto percorre a imensa várzea com sua bicicleta herdada de seu avô paterno, buscando um lugar onde colocar seu tripé e sua câmera, e assim, poder registrar o crepúsculo por detrás das volumosas montanhas que cercam aquela pequena cidade. Sua única companhia naquela imensidão, uma pequena cachorra adotada das ruas anos dois anos antes, e que agora, o seguia em todas suas atividades, sem nenhuma coleira.
Por entre as plantações de arroz, o jovem finalmente encontra o lugar perfeito para montar seu setup fotográfico.
- Tudo pronto, Pandora. Acho que este lugar irá render ótimas fotos – Diz Noam, enquanto acaricia sua pequena companheira na cabeça.
Alguns minutos e dezenas de fotos depois, os dois companheiros solitários desmontam todo o equipamento e se aprontam para voltar para casa, afinal, o sol terminara sua jornada por aquele pedaço de céu.
Noam estava ansioso para checar os resultados daquela tarde e, ao chegar em casa, foi direto para seu quarto, agarrou o laptop e o levou para a cozinha, onde seus pais e sua irmã se encontravam.
-E então filho, como ficaram as fotos, ein? – Pergunta Jorge, pai do garoto, sempre o incentivador quanto ao hobby do garoto.
-Bom, isso veremos agora, pai – Responde Noam terminando de checar as conexões dos cabos.
Rosane, sua mãe, lhe serve uma xícara de café que acabara de retirar do fogão à lenha, e lhe segue uma pergunta.
-E então, querido?
-Acho que ficaram boas, ainda preciso praticar melhor o foco e a luminosidade mas, no geral, pelo menos um bom papel de parede vai render – responde Noam, com um tom bem humorado.
Se inclinando por detrás do irmão, Iris, uma garotinha de 13 anos muito curiosa e inteligente, aprecia encantada o trabalho de seu irmão mais velho.
-Eu gostei, Noam. Você tem talento! Por que você não vira fotografo? – Indaga a irmã, inocentemente.
-Porque é apenas um hobby, não é mesmo filho? Seu irmão vai se formar na faculdade de engenharia e ganhar bastante dinheiro, e daí sim poder se dedicar ao seu amor pela fotografia – Interrompe o pai, orgulhoso pele sucesso no vestibular que o filho passara um mês antes.
Noam esboça um sorriso de canto de boca, olha para o laptop ainda com as fotos abertas na tela e muda de assunto.
A conversa dura por mais alguns minutos ao redor da grande mesa de jantar até que, inevitavelmente, se dilui e cada um segue para sua parcela de vida individual, em seus quartos ou em frente à TV, preparando-se para a noite de sono que culminará em um novo dia.
Noam, deitado em sua cama, enquanto espera o sono chegar, observa calmamente aquele quarto onde passou praticamente toda sua vida até ali, e por entre os bonecos na estante e os livros da prateleira, encontrava a nostalgia que o lugar já lhe dava. Sua mente era inundada de pensamentos. Fora assim sua vida toda, e especialmente esta noite, pensava em um dia poder conhecer o mundo todo. Pensava na independência que iria adquirir depois que terminasse sua graduação, e assim, poder gravar todos os momentos seguintes em forma de memorias e nos frames de sua câmera.
A pressão sobre ele é grande. Por um lado, neto mais velho na parte da família de sua mãe. Por outro, expectativa de seguir o caminho de sucesso de seus primos, engenheiros e advogados, motivos de orgulho para a família de seu pai, e com o fim do ano, todo o planejamento para seu primeiro semestre como calouro, e também o primeiro período de sua vida em que irá passar longe de sua pequena cidade natal. Seu destino: São Paulo. A cidade que jamais dorme ou sequer descansa.
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Choro dos Passaros Negros
General FictionNoam Falcao, ao partir para uma vida totalmente nova, longe de sua familia e sua zona de conforto, encara seus pesadelos e confronta sua realidade, em busca de sua verdadeira identidade.