Clover

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CLOVER POV

Sentia-me nostálgica...

Uma leve camada de nevoeiro flutuante cobria tudo à minha volta. Parecia o céu...

Que visão bonita.

Altos pinheiros erguiam-se imponentemente, como se fizessem uma corrida, para ver qual deles subia mais alto.

Cheirava a sangue, a morte...

Caminhei a passos lentos, seguindo a bruma que me arrastava para parte incerta.

Estava a escurecer, as silhuetas à minha volta tornavam-se mais negras, envolvendo-se com o escuro da noite que caía.

Ouvi um som estranho que me fez parar, parecia um rosnar pouco afável.

Instintivamente segui aquele ruído, até que parei.

Vermelho. Dois olhos flamejantes eram tudo o que conseguia ver.

O seu corpo estava trajado de negro, não parecia humano, o seu tamanho era indiscutivelmente superior ao meu, e olhava-me.

Olhava-me da mesma maneira que um leão olha para um naco de carne. Sentia a sua respiração quente soprar sobre o meu rosto.
Carne, cadáveres... Era dele que vinha o cheiro.

A estranha besta aproximou-se de mim, senti uma dor aguda no fundo das costas, e gritei.

Elevo o meu corpo até me encontrar sentada.

Sentia gotas de suor lavar-me a face, o meu coração batia descompassadamente, e eu... sentia-me perturbada por ser assombrada por este sonho desde que me lembro.

Olhei para o relógio digital que repousa a meu lado numa mesa verificando as horas... 5 da manhã já estava à espera, acordo sempre a esta hora...

Levanto-me então, como habitualmente faço, sento-me um pouco no parapeito da larga janela do meu quarto, observando a luz do dia engolir a noite. Uma a uma as estrelas vão se apagando e um céu rosado substitui o negro.

Regresso a mim, lembrando-me de que tenho de ir para a Universidade.

Visto-me o mais rápido possível, deixando o meu quarto.

Saio do pequeno apartamento que alugo, sentindo o frio entranhar-se nos meus ossos.

Nunca me vou habituar ao Alaska, o frio é sempre tão rigoroso.

Apanho o autocarro, e rezo para que nenhuma estrada esteja impedida por causa do nevão que caíu esta noite.

Sento-me num lugar perto da janela, encostando à cabeça à mesma.

Sentia o balançar desengonçado do autocarro e os seus audíveis guinchos não me permitiam concentrar na bonita paisagem em redor.

Após uma hora, cheguei ao centro daquele nada. Agarrei nas minhas coisas e abandonei aquele veículo velho.

Ajeitei o lenço que escondia o meu pescoço e subi o mais rápido que pude a escadaria de pedra clara, coberta com sal, para evitar quedas.

Quando entrei na Universidade, senti o calor acariciar o meu corpo, deixando-me mais confortável.

Andei a passos lentos até ao auditório onde vou ter aulas e sentei-me na mesa do costume.

Tirei os meus livros de anatomia, e comecei a folhea-los, como se não os tivesse já memorizado.

Ia lendo ... As palavras chocavam contra o meu cérebro e eram rapidamente absorvidas. Irrita-me esta minha memória...

Pouco a pouco a sala começou a encher-se. Podia ouvir todas as conversas, murmúrios e segredos... A minha capacidade de audição também me irrita.

Em pouco tempo juntou-se a nós o Mr. Grant o nosso professor.

Tem feições fortes, meigas, a sua face está demarcada por rugas devido à idade, e os seus cabelos grisalhos branqueados elevam-se num estilo engraçado. O  esverdeado dos seus olhos faz com que o nosso olhar não se perca, e se fixe neles. Ao seu lado encontra-se um jovem, deve rondar os seus 30 anos talvez. Não é muito bonito, está nervoso, consigo escutar o bater do seu coração, está acelerado, inconstante.

-Bom dia! Estou aqui hoje para confirmar os rumores que têm vindo a circular, eu estou de facto à beira da reforma, e este jovem que me acompanha substituir-me-à. Cumprimentem por favor o professor Eliot.

Toda a turma murmurava, mas lá acabaram por cumprimentar o novo docente.

-Olá, o meu nome é Eliot, e estou aqui para vos ensinar anatomia.- ele sorriu.

Estava a rabiscar o sistema circulatório numa folha enquanto ouvia o programa de aulas deste ano.

-Vamos fazer um intercâmbio de dois meses a uma Universidade, situada na Transilvânia.

Vamos à Roménia?!

A aula passou-se de forma rápida, informal, rapidamente fomos dispensados.

Todos se preparavam para sair, incluindo eu.

-Espera, você aí, morena! Quero falar consigo.- o professor soou dirigindo o olhar para mim.

Encolhi os ombros e permaneci sentada.

Vi o meu professor caminhar até mim, e encostar-se a uma mesa à frente da minha.

-Esteve a aula toda distraída. Se está aqui para brincar, aconselho-a a desistir deste curso.- o homem falou.

Apenas ri cinicamente na cara dele.

-"Olá, o meu nome é Eliot, e estou aqui para vos ensinar anatomia" - comecei repetindo palavra por palavra toda a sua aula. - " Como é óbvio quando estiverem a fazer qualquer intervenção cirúrgica, não se podem esquecer de nenhum objeto estranho no corpo do paciente, e procurem deixar tudo o mais limpo possível. A aula acabou, podem sair."

Agarrei nos meus pertences e levantei-me.

O meu atual professor olhava para mim incrédulo, o que honestamente me fazia sentir superior.

Levantei-me sendo queimada pelo olhar de Mr. Eliot.

-Já agora, acho que deve saber algo sobre mim... sei bastante mais do que você, e tudo aquilo que sei, jamais poderá aprender.

Estava quase a passar a porta quando a sua voz me interrompeu:

- Qual a posição do osso Escafóide em relação ao osso Trapézio? - ele questionou citando matéria do próximo semestre.

-Página 232 do manual, primeiro parágrafo, segunda linha, e a resposta é proximal.

Fui por fim embora, deixando para trás um ser que agora duvidava das suas próprias capacidades.

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