Numa tarde tépida no início do verão, Alexandre abre a porta daquela casa abandonada. Seu coração aperta e a emoção toma conta de todos os seus sentidos. Quinze anos se passaram. Como flashes, diversas lembranças ocorrem em sua mente. Aquele lugar é rico de histórias da sua vida. Ao caminhar devagar por cada ambiente, recorda momentos intensos vividos na infância com seu pai.
Órfão de mãe desde o nascimento, em virtude de complicações no parto, as lembranças de Alexandre se concentram na figura paterna, que representa para ele tudo o que há de melhor no ser humano. Afastado do seu ente mais querido de uma maneira cruel e intempestiva, ele tem sua vida transformada sem nenhum aviso prévio, ainda na infância.
No tempo vivido com seus tios, Valentina e Gabriel, em New Jersey, Estados Unidos, Alexandre compartilhou espaço, coisas e pensamentos com um número maior de pessoas, mas a essência da convivência em família aprendeu com o pai — um companheiro leal, presente e sempre pronto para qualquer circunstância.
Ao voltar para aquela casa, os sentimentos de saudade e alegria disputam espaço no seu coração. Ele tem vontade de reviver todos os momentos felizes e intensos da sua infância e, ao mesmo tempo, ficar sentado em um canto da sala para observar cada detalhe da mobília, dos quadros, dos objetos e até de alguns brinquedos, que ainda permanecem em um espaço da casa, como se durante todos aqueles anos estivessem aguardando o retorno do seu dono.
Totalmente absorvido nesse momento, Alexandre tem a estranha sensação de que cada detalhe parece pronto para fazer revelações que ele nem imagina. Enquanto tenta decifrar seus sentimentos, perde a noção do tempo, e todo o espaço físico ao seu redor compõe diversos cenários da sua infância. As lembranças e a emoção, reprimidas durante tantos anos, são intensas e geram uma dor incompreensível. Ele se sente sob o efeito de anestesia, mas sabe que tudo ali é real e faz parte da sua vida. O seu íntimo permanece como um vulcão em erupção.
— Paaaaaiiiiiiiiiiii! Como eu sinto a sua falta! — grita num tom sufocado.
Retornar para sua casa após tanto tempo gera um turbilhão de sensações e emoções. Nos últimos anos, Alexandre havia sufocado todas as lembranças de uma fase importante da sua infância.
A casa está empoeirada, e em outras circunstâncias ele não permaneceria em um lugar naquelas condições por muito tempo. Um processo alérgico, que teve início quando tinha apenas cinco anos de idade, fez seu pai, muitas vezes, perder noites de sono e passar madrugadas inteiras em prontos-socorros da região por causa da sua dificuldade para respirar.
Ele relembra, com muito carinho, o semblante preocupado daquele homem forte, companheiro, dedicado, respeitado e admirado no seu universo de trabalho e nos ambientes sociais, mas que parecia outra pessoa diante do seu filho. Atento às necessidades do pequeno, fazendo todo o possível para diminuir o sofrimento nos momentos de crises respiratórias, adquiriu um aparelho de inalação, adaptado em formato de navio, que era utilizado ao primeiro sinal de irritação na garganta. "Respira, meu filho, respira. Em você há fôlego de vida. " Seu pai tinha talento para transformar qualquer circunstância em um momento único e lúdico.
Recordar esses episódios tornam as lembranças ainda mais preciosas. Com o tempo, as crises respiratórias cessaram e o pequeno "navio inalador" se tornou uma preciosa peça de decoração.
Após percorrer sem pressa diversos cômodos da casa, Alexandre se senta em um canto da sala e se detém nesse objeto. Observa cada detalhe como se fosse possível capturar lembranças apenas com o toque dos dedos. No canto de seus lábios, surge um tímido sorriso ao se lembrar de uma divertida tarde de domingo, quando seu pai improvisou uma tenda de acampamento, onde os dois brincaram de piratas do fundo do mar — a brincadeira predileta deles. Seu pai dizia que dentro daquele pequeno navio havia um tesouro muito valioso.
― Pirata navegante! Temos um segredo que jamais poderá ser revelado a outros viventes. Aqui ficará guardado o nosso tesouro — revelava o Alfred, encarnado em seu personagem.
Normalmente Alfred colocava algum objeto dentro do navio para representar o tesouro, e aquele era o segredo dos piratas até a próxima navegação. Ao relembrar esses momentos, Alexandre não consegue mais segurar o choro.
― Pai! Por que você me abandonou? — questiona,como se o Universo pudesse responder e eliminar a sua dor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ECOS - O MAR É A NOVA LUA
FantasyAlexandre volta à casa em que morou quando adolescente e revive muitas lembranças ligadas ao misterioso desaparecimento de seu pai. "Ecos - o Mar é a nova Lua" traz duas histórias vinculadas aos valiosos tesouros submarinos e à existência dos seres...