Prólogo: mãe

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Ter uma filha no meio de uma guerra? Poderia parecer loucura para a maioria, mas era lógico para mim.

Há muito tempo, nós, os elfos, havíamos sido sequestrados de nossas terras devido às nossas habilidades de controlar pixies rastreadoras. Cada pequena fada era fiel ao seu mestre, e encontrava tesouros referentes às suas personalidades.

A minha especialidade? Ayame, minha pixie, podia encontrar parentes sanguíneos daqueles com os quais já havia tido contato. Por esse motivo, a Liga de Assassinos havia me trazido com eles.

Nesse novo lar desconhecido, entreguei-me ao dono do meu coração para desafogar do desespero crescente, mas acabei entrando numa situação ainda pior: o pai de Alka morrera ao tentar me proteger em uma missão, e eu sozinha não tinha coragem de abortá-la.

Há anos, os humanos haviam descoberto a existência de seres sobrenaturais e nos dividido entre Celestiais e Caídos. A natureza desses seres que se chamavam de "racionais" fez com que utilizassem de padrões rasos para essa separação, como beleza e poderes de luz. Mas todos sabíamos que não existiam dicotomias verdadeiras e que belo ou feio e luz ou trevas pouco diziam sobre algo.

Com a exclusão de raças, não demorou para que a Terceira Guerra Mundial despontasse, devastando tudo até que restasse apenas um continente com vida. Nele, tudo havia começado, e agora os poucos humanos escondiam-se por trás de muralhas e os sobre-humanos lutavam nas últimas frentes de batalha. Logo, toda vida seria extinta. Por isso, a pequena faixa de terra era agora intitulada Pandora.

Assim, tinha consciência de que minha filha estaria fadada a um destino. O mundo lá fora estava podre, e a Liga gostava de crianças por aprenderem rápido e não precisarem de uma lavagem cerebral mais delicada.

E, por fim, finalizando meu devaneio, Alka estaria mais protegida na Liga que em qualquer outro lugar. Havia ouvido rumores sobre Anjos e seus filhos envolvidos na guerra, mas naquele novo lar não importava quem era tratado pelos humanos como Celestiais ou Caídos, éramos todos assassinos iguais. Ou era isso que dizia a mim mesma enquanto acariciava meu ventre nas noites úmidas.

Encarei Alka, já crescida, à minha frente. De seus olhos estavam transbordando lágrimas e me senti aliviada, de certa forma.

Quando ela nascera, as íris azuis eram tão opacas, era um bebê tão silencioso, que chegava a ser assustador. Crescera por anos como uma perfeita pupila da Liga, e não demonstrava nenhum tipo de sentimento. O brilho e o calor que faltavam nela só haviam passado a existir quando uma outra criança cresceu dentro de mim.

O homem de um único chifre, o Unicórnio, era uma criatura originalmente pura e ingênua, mas a situação atual do mundo parecia tê-lo corrompido. Por isso, Rástar era fruto de um ato nojento e considerado pecaminoso por algumas culturas. Violentar-me parecia ter sido pouco para o Unicórnio, considerando a devastação que causou em seguida, eu soube por terceiros, já que fiquei adoecida por meses.

A criança Rástar quase me sugou toda a vida, mas também nasceu destinado ao desfortúnio. Amaldiçoado, diziam.

Voltando minha mente ao presente, abaixei os olhos então para o meu menino, que à mim parecia que já havia crescido muito. Alka lhe cobria o rosto, mas o garoto sabia o que aconteceria e se debatia o máximo que podia enquanto gritava em agonia.

— Mãe! Mamãe! — dizia sua voz doce, agora marcada pelo medo.

Eu observava uma última vez quão idênticos os dois eram entre si. Poderiam facilmente serem filhos do mesmo pai, gêmeos até, não fossem as habilidades distintas e opostas. Queria poder passar mais tempo com ambos, continuar protegendo-os e mantendo-os em uma vida agradável ao máximo, até que a guerra atingisse a Liga.

Mas havia salvado alguém que era alvo da Liga — um demônio, ou como quisessem chamar. Tratava-se de um pedido especial, havia muito mais que dinheiro envolvido. Portanto, eu merecia uma morte lenta e dolorosa, e meus filhos precisavam assistir para aprender. Ao menos permitiram que Rástar tivesse seus olhos cobertos. Ao menos meu gentil e amável menino, que não conseguia machucar nem mesmo um inseto, seria poupado um pouquinho mais.

Queria ter sorriso naquele último momento, mas a dor não me permitiria. Já não sentia meu corpo quando caí contra o chão.

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⏰ Última atualização: Dec 04, 2016 ⏰

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