- Corra Ariane! Corra! – essas foram as últimas palavras que ouvi meu pai dizer.
Eu corria desesperadamente, o obedecendo tal como ele ordenou, mas não pude evitar olhar para trás. Oh! Antes não o tivesse feito!
Lá estava meu pai, armado apenas com um ancinho, a seu lado meus dois bravos e jovens irmãos segurando apenas as foices com as quais ceifavam o trigo. Era minha família, meus três protetores, protegiam a mim da turba enlouquecida que nos perseguia e aproximava-se perigosamente.
Eram homens e mulheres, segurando tochas, ferramentas, espadas e lanças, eram os camponeses de nossa vila e a frente deles ia o padre local. Eles gritavam palavras de ódio e rancor que eu não entendia.
- Lá estão eles! – diziam – Matem todos!
- Vejam os adoradores do Diabo, não deixem que escapem!
- Hereges! Bruxos!
Bruxos! Uma palavra da qual eu não entendia o significado, mas que marcaria toda a minha vida dali para frente.
Eu continuei a correr e me escondi atrás do tronco de um velho carvalho, era apenas uma criança e como tal eu chorava copiosamente. Ouvi gritos de terror e mais uma vez olhei para trás a tempo de ver a multidão enlouquecida avançar com toda sua ira sobre minha família. Meu irmãos e meu pai lutavam bravamente, mas pouco podiam fazer, eles eram muitos, rapidamente os dominaram e os amarraram, eu, atônita, somente observava. Ah se eu pudesse! Os salvaria e mataria todos aqueles plebeus supersticiosos!
Infelizmente eu nada podia fazer, vi somente quando o padre se aproximou deles, terrivelmente feridos pelos aldeões, e deu a ultima unção.
- Adoradores do Demônio não são benvindos a essa terra, deverão ter o mesmo destino da bruxa!
A multidão gritou enlouquecida, pareciam sentir prazer em praticar aquela monstruosidade.
- Vejam o marido e os filhos da bruxa, pactuados com o Diabo como ela. Para esta heresia, a pena – continuou o padre – é a morte, morte na fogueira! Mas ainda podem ter suas almas salvas se me disserem onde está a outra bruxa, a pequena.
Meu pai olhou nos olhos do padre e mesmo ferido ainda gritou ao mesmo tempo em que cuspia no rosto do clérigo:
- Seu desgraçado! Te verei no inferno antes que encoste um dedo sequer em minha filha!
Senti orgulho de meu pai naquele momento. Para sempre ele será meu herói!
Mas o sacerdote não pensava assim, ele autorizou e a multidão atirou galhos secos e alcatrão sobre minha família e atearam fogo com suas tochas, até hoje guardo na lembrança o grito de pavor de meus amados enquanto eram consumidos vivos pelo fogo. Tiveram o mesmo destino de minha saudosa mãe, acusada de bruxaria simplesmente por ter convulsões na hora da Santa Missa.
Me ajoelhei sobre o carvalho e chorei ainda mais. Estava sozinha no mundo, todos há quem um dia amei estavam mortos.
Mas não havia tempo para lamentações, ouvi passos se aproximarem e de repente um grito:
- A filha da bruxa! Eu a vi, está sob o carvalho!
Mas uma vez me pus a correr, minhas roupas agora eram apenas farrapos, tão rasgadas pelos espinhos quando minha pele, meus pezinhos ainda quase infantis sangravam descalços e meu coração batia rápido e acelerado com o medo acumulado. Mesmo assim corri como nunca, queria apenas fugir, sem saber para onde ia, e foi o destino ou acaso que me levou para a orla da floresta.
- Cuidado, ela está indo para a floresta! – as vozes de meus perseguidores diziam.
- Não podemos entrar lá, é amaldiçoada! – falavam outros.