PRÓLOGO

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Chovia forte e gotejava na antiga casa que não tinha forro. Como de costume, minha mãe pedia para ficar embaixo da mesa durante os temporais, pois facilmente despencavam telhas de cerâmica. Telhas dos meados da década de 20 que eram estupidamente pesadas.

- Por favor, não chore, pois ele vai te ouvir - pedia a minha mãe na incansável tentativa de fazer o meu parar de pai me bater - ele dormiu por causa do temporal.

- CADÊ O MOLEQUE? - berrou o velho entrando dentro da cozinha - CADÊ A PORRA DO MOLEQUE? - perguntou ele batendo a mão com força na mesa.

- ESSE BERREIRO TODO, PORQUE ELE ESTAVA BRINCANDO COM A AMIGA? - perguntou minha mãe agressiva.

- ELE NÃO VAI SER VEADO!

Eu abracei forte os meus joelhos enquanto ouvia minha mãe indo para cima dele. Mesmo muito velho, ele era um homem muito forte. Empurrou minha mãe para o quarto e começaram a gritar e se bater. Eu fazia a única coisa que aprendi a faze para me defender: rezar. Mas o som de tapas e xingamentos me tiravam a concentração. Tapei os ouvidos com força e fechei os olhos.

- Ei? - chamou o um garoto magricela - Venha comigo!

Eu apenas balancei a cabeça negativamente, na esperança que ninguém tivesse me vendo.

- Sério, eu posso te ajudar! - o menino loirinho cheio de sardas estendendo a mão para mim.






22 ANOS DEPOIS

O sol queimava minha cabeça debaixo da seca Árbol de la Muerte. Seus galhos longos, fortes e sem folhas, davam aquele cenário de dor, um aspecto fantasmagórico. Deveria haver uma centena de pessoas debaixo dela para assistir o que deveria ser o meu ultimo espetáculo. Os nativos, com pele negras, adoravam a morte. No meio da minha testa, havia uma arma que pressionava meu crânio. Na extremidade oposta estava minha arma pressionando a cabeça dele. O suor descia em grandes gotas, fazendo um caminho desenhado por sua pele e desviando docilmente pelo cano da minha 38. Eu chorava, porque era inevitável não amar aquele homem, após todo aquele inferno. Chorava tanto que meus olhos faziam forças para ficarem abertos, mesmo fritando-os com lágrimas salgadas.

- É assim o nosso final, após tudo que passamos nesse lugar? - perguntou o rapaz de cabelos e pele desbotados pelo sol. Seu olhos estavam vermelhos e cheio d'água.

- É assim o nosso final! - respondi sentindo sua mão tremer enquanto me encarava em fúria.

- Não podemos mais viver essa loucura sua! Acabou! Admite! Ninguém aguenta mais você. Não quero mais ter que viver no meio dessa guerra, desse deserto infernal, fugindo desses animais, dessa gente estranha. De você!

- Eu aguento! - disse uma voz firme, daquelas que faziam meus joelhos tremerem - só eu aguento.

Uma terceira arma fora colocada na cabeça do rapaz que mirava em mim. Estava lá, minha alma gêmea que tanto me fez sofrer. Seus cabelos negros e compridos, também judiado pelo sol, deslizavam pelo de rosto de forma sutil. Instintivamente, minha mão apontou para a cabeça dele. Passei uma vida toda acreditando que ele também considerava ser minha alma gêmea. Os nativos, em silêncio, olhavam felizes para aquele triângulo da morte.

- Foda-se você! - disse o rapaz de cabelos desbotados, com um fino fio de baba saindo da sua boca, forçando ainda mais a arma em minha testa.

- Agora não temo mais! Agora todos nós morremos!

E o tiro seco ecoou pela savana.

JUCÁ DEPARDIEUOnde histórias criam vida. Descubra agora