As letras já se embaralhavam em minha cabeça e nada mais parecia fazer sentido naqueles livros. Percebi que era hora de parar... O que for para ser será.
Quase instantaneamente senti o frio solto pela sacada entreaberta me atingir com um baque. Era algo que vivia me acontecendo. Se me concentro muito em algo que esteja fazendo, é como se os arredores não mais existissem. E eu precisava urgentemente de uma blusa.
Corri para minha cama, e arranquei meu fino cardigã antes pendurado na cabeceira. Cobrindo minhas costas, que tremeram com o contato do tecido, acabei olhando para o relógio do criado mudo.
2:45
Ótimo, a aula começava dali à 3 horas quase. Não iria dormir. Mais uma vez.
Reparei que a outra cama permanecia intacta. Dessa vez ela tinha demorado muito mais do que o habitual. Será que estava bem?
Dirigi-me rapidamente à sacada, abrindo-a um pouco mais para que eu pudesse passar. O ruído da porta chamou sua atenção, fazendo com que me olhasse com o cenho franzido. O frio lá fora aumentou ainda mais, e eu instantaneamente abraçei meu próprio corpo.
-Achava que tivesse capotado em cima dos livros de novo. - comentou, esboçando um semi-sorriso. Era linda, e sabia disso.
-Foi quase.- ri, percebendo minha voz trêmula. Mas lembro o que tinha vindo fazer e perguntei-a - por que ainda não entrou?
-Estou apenas pensando um pouco.
-Claro.- assenti uma vez, e me aproximei. Era até mesmo engraçado o fato de eu sempre saber as suas respostas.
Agora com a proximidade, pude notar o cigarro entre os dois dedos da mão direita. Laura dá um toque, expulsando as cinzas que se dispersaram pelo vento e retonou-o aos lábios. Lábios estes agora secos.
Eu odiava quando fumava, mas a compreendia.
Todos buscam por maneiras que possam fazer com que fujamos desta realidade. Vícios; eu mesma tinha os meus.
-Algumas certas pessoas não entendem os lugares delas, e eu sinto raiva disso. - cospe palavras ao ar, me acordando dos devaneios.
-Bruno? - ela suspira pesadamente.
-E quem mais seria? - cruza uma perna na outra e se apoia na grade da sacada. Bruno é seu namorado. Mas Bruno não passava de um babaca arrogante.
Ela nunca admitiria isso, mas sofre por ele. Tenta sempre manter essa pose de durona - e a faz muito bem - mas eu conseguia enxergar além de suas expressões.
-Clara. - chama minha atenção e percebi que já vagava em pensamentos mais uma vez. Retorno a olhar para ela, que continua o que ia dizer- Por que nunca namorou antes?
Ela não olhava para mim. Encarava o nada, com uma expressão já suavizada. Havia sido uma pergunta simples, afinal. Mas então, qual seria a resposta?
-Eu não sei...- suspiro, sentando-me no chão ao seu lado. - é como se nenhum cara tivesse me chamado a atenção o suficiente para que eu quisesse seguir em frente.
Ela riu fraco. Jogou seu cigarro no chão e pisou para apagá-lo. Notou que havia me sentado e estende a mão para mim, me puxando para me levantar. Sorriu sem os dentes, antes de se virar para entrar.
Talvez eu quisesse ignorar o fato de meu corpo reagir a todas as suas ações. Poderia ser estranho demais. Talvez dentre todos os meus vícios, o meu maior tinha nome e sobrenome.
Eu apenas a observo andar. Os cabelos lisos já emaranhados pelo vento e a boca contornada por um batom marrom já gasto.
Mal sabia ela.
Queria eu mesma ser o vento a emaranhar seus cabelos. Queria eu mesma ocupar o lugar daquele batom.
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Vício
Teen FictionTodos buscam por maneiras que possam fazer com que fujamos desta realidade. Vícios; eu mesma tinha os meus.