Incondicional - Rivaldo Silva

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24 de dezembro, quinta-feira

Laura esperou o filho adormecer. O cigarro de marca barata entre os lábios deixavam sua aparência mais velha. Os cabelos crespos amarrados em um coque apertado mostrava como sua testa era grande. Apesar de estar em véspera de Natal, ela não se importava em deixar seus velhos hábitos de lado para aproveitar aquele momento com o filho. O constante amargor e tristeza em sua face não negava nada.

Permaneceu ali com as pernas cruzadas em uma cadeira de plástico. Olhou ao redor e pode sentir o desgosto de ainda não ter mudado de vida. Mas não era culpa sua. O pai do garoto foi embora com outra mulher assim que ela anunciou que estava grávida e foi demais para os seus pais ter uma jovem grávida em casa, ainda mais solteira. Foi dessa forma que toda a sua vida encontrou o beco do esgoto mais próximo e, desde então, nunca mais pode ser a mesma de antes. No entanto, não se arrependia de ter seu filho. Cada sorriso do garoto era motivo de sua felicidade também. Cada gesto de carinho, mostrava o quanto ela tinha sido uma mãe sortuda, mesmo com tudo. Ela estava triste, mas nunca arrependida.

Beto, seu filho, só tinha oito anos e, ainda assim, conseguia ser mais inteligente do que ela fora em toda sua vida. Por isso tinha planejado fazer a sua tão sonhada Ceia de Natal, que todos os seus coleguinhas de escola já tinham com direito a peru e tudo mais, como um presente de Natal. Laura sabia que ele merecia. Só estava esperando o seu salário sair. Ela tinha consciência que tudo ficaria muito caro e talvez não sobrasse dinheiro para algumas outras coisas no mês, mas ela sabia que ele ficaria muito feliz. E somente isso importava.

Seu patrão disse que não tinha dinheiro mais cedo, mas disse de certeza que na manhã seguinte (Natal) ele entregaria todo o seu quase salário mínimo por lavar todas as janelas daquele mini edifício no centro da cidade. Ela estava bem confiante. Ele falou que levaria o dinheiro assim que pegasse em casa. Era isso o que Laura esperava. Dependia muito daquele dinheiro. A Ceia não seria no horário, mas quem se importava? Era só ela e o filho, tinha certeza que seria muito especial.

25 de dezembro, sexta-feira

O dia amanheceu bem iluminado. Poucas nuvens se encontravam no céu e o Sol resplandecia seu brilho intenso. Não parecia uma manhã de Natal, mas sempre fora assim. Laura sabia que tudo nunca passara daquilo nos outros anos. Sempre acordavam aquele horário e viam que o tempo estava um pouco frio, mas não a ponto de nevar. Nem as nuvens carregadas de chuva estavam ali.

Minutos mais tarde, alguém bateu à porta. As esperanças de Laura estavam todas voltadas para o patrão com o dinheiro. Era pouco mais das 8h. Sabia que o supermercado há uns dois quarteirões dali fechava ao meio-dia. Era o único. Os outros nem abriam. Tinha certeza que lá teria tudo o que precisava. E se não tivesse, daria um jeito com o que conseguisse.

- Bom dia, dona Laura.

A face da mãe entristeceu-se de imediato. Um homem alto, robusto estava a sua frente. Ela o conhecia. Já tinha ido a sua casa algumas vezes. Mas porque justamente no dia do Natal?

- Sim? - disse ela, mostrando que queria ir logo ao ponto. Ficou batendo o pé em sinal de nervosismo.

- Como a senhorita já sabe, está com dois meses de atraso no aluguel. – O homem refletiu um pouco antes de prosseguir. Parecia um pouco mal. - Se não tiver o dinheiro até o meio-dia, o jeito vai ser abandonar a casa. Não podemos mais deixá-la aqui sendo que temos muitas outras pessoas precisando de um lugar e que vão pagar por isso.

Laura não podia acreditar. Sua face enriguesseu a medida que a voz do homem ficava distante. Despejo não poderia ser uma opção. Não para ela que não tinha outro lugar para ir.

- Senhor, por favor, me deixe ficar aqui por mais alguns dias que prometo pagar pelo menos um pouco do aluguel...

O homem ficou com a cara séria. Já tinha escutado aquela ladainha antes. Sabia que era mentira. Ela não conseguiria pagar. O único problema é que ele só fazia as ordens do patrão. Não poderia dar mais chances ou fingir deixar para lá. Como se não bastasse sua vida medíocre, ainda tinha que infernizar a vida de outras pessoas justamente em um feriado universal. Mas não fazia diferença, sua mulher não estava mais com ele desde que traíra com o vizinho. E a filha parecia gostar mais do seu novo padrasto do que do seu próprio pai.

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