O trem demorava a passar. Namjoon estava cansado de esperar, e o casamento já não era mais tão atraente. Ele, porém, nunca deixaria de aparecer no Grande-dia de sua pequena irmã. Mas, ah, o trem demorava a passar. Uma dúzia inteira de pessoas aguardavam junto dele, ele não se atrevia a encarar ninguém. Estar acordado e vivo numa estação de trem num horário tão próximo à madrugada já era deprimente o suficiente. Não queria ter que lidar com olhares tortos de reprovação de mais ninguém. Não sabia porque o olhavam tão torto. Era como se pudessem ter um histórico de sua vida diante dos olhos, e assim julgassem cada um de seus erros e acertos.
Sua aparência era comum, assim acreditava. O terno cinza combinava com seu cabelo azul claro, a gravata verde escura completava seu visual. Ele se sentia muito bonito, e tentava não se importar com nenhuma outra opinião expressada por olhares, ou palavras. Muito menos as palavras. Conhecia sua mãe muito bem.
Nada disso importou mais tanto quando o trem chegou. Todos que aguardavam junto dele entraram no mesmo ritmo, sabendo que seus lugares já estavam garantidos. Namjoon se sentou ao fundo, com seus fones de ouvido já bem ajeitados, e a música clássica tão alta que parecia o transformar em melodia também. Deu uma olhada em volta antes de pensar em fechar os olhos pra dormir.
Uma senhora sentava encostada no ombro do homem alto ao seu lado. Namjoon acreditava que eram casados, mas adorava criar outros cenários onde ela fugia com seu amor de infância após se divorciar do marido abusivo. Os dois filhos já haviam casado, seus mundos estavam em ordem. O amor pode vencer às vezes. Havia também outro rapaz, de aparência bem jovem até. Do lado, um menininho de cabelos pretos escorridos ria com seu dinossauro de brinquedo, enquanto seu pai o pedia para ele fazer silêncio. Pai? Não poderia ser um irmão mais velho? Quem sabe a história de fuga se repetia naquela situação. Namjoon não tinha muita certeza.
De repente, seus olhos pararam em alguém. Estava sozinho e olhava a cidade passar pela janela. Os cabelos eram não tão compridos, as feições eram delicadas. A franja parecia lhe irritar os olhos, ou talvez era apenas impressão de Namjoon. Era um alguém muito bonito, sem dúvida nenhuma. Tão bonito, capaz de fazer o estômago do garoto revirar, tão bonito capaz de roubar um pouquinho do seu ar.
O alguém era indecifrável. Namjoon achava indecente criar cenários imaginários com alguém tão brilhante como aquela pessoa. Mas não era como se ele fosse a pessoa mais decente do mundo.
Se imaginou em uma viagem pela Europa, tirando fotos a cada passo e roubando beijos a cada esquina. Se imaginou dançando a música de seus fones, lentamente, no meio de um salão vazio, com pisadas nos pés e risos constantes. Imaginou aquele alguém achando seus caderno de poemas, lendo-o todinho e chorando com suas palavras. Imaginou abraços apertados e suspiros profundos, beijos fortes e falta de ar.
Ele sorria com sua imaginação. Queria saber transformá-la em realidade.
Decidiu então dormir. Seus sonhos eram todos bonitos, afinal. Mas não houveram sonhos daquela vez. A escuridão foi presente no cochilo todo, e ele descansou de todas as dores de cabeça acumuladas. Acordou assustado, achando que havia perdido seu ponto. Checou seu relógio, nem 30 minutos haviam se passado. Suspirou, e se pôs a observar a janela.
Montanhas e montanhas e rios e árvores. Namjoon não sabia o porquê, mas aquilo tudo o inspirava. Escreveu seu sobrenome e nome no vidro embaçado, parecendo uma criança de 8 anos. Procurou pelo alguém no trem, o encontrando encostado contra a janela. Pensou mais um pouco.
Podia estar se fugindo para longe, não aguentava mais seus pais. Ou seu trabalho era puxado, e ela só tirou um dia de folga para um passeio de trem. Talvez estivesse buscando inspiração para alguma de suas obras. Namjoon não sabia ao certo que tipo de artista ela era, mas tinha certeza de que os dois pertenciam ao mesmo mundo.
Fechou seus olhos novamente, inspirando fundo o ar frio que ardeu seu nariz. Se vestiu com o casaco quente trazido à mão, o fechando até cobrir sua boca. Esfregou uma mão na outra numa tentativa falha de se esquentar. Tirou outro cochilo, também livre de sonhos. Acordou feliz, avistando a outra estação de trem já próxima. Esperou todos descerem e então desembarcou, levando sua mochila nos ombros.
Tentou localizar seu Alguém. O encontrou correndo, tendo como seu destino um peito e dois braços, que o envolveram tão forte que Namjoon até sentiu inveja.
Mas aquilo estranhamente o deixava feliz. Seu alguém já era amado, e isso era bom.
Namjoon se sentou no banco da estação, achando o celular em sua bolsa e ligando para sua tia, que o buscaria para a cerimônia.
Depois abriu seu caderninho de poemas, com a caneta pairando sobre o papel como alguém que teme pular em uma piscina gelada. Se rendeu finalmente, e sua caneta o guiou.
No trem do meu Amor
Você foi tão passageiro...