1888, Catedral de Santa Maria da Sede, Espanha.
Ele me olha com medo, não o culpo por isso. Considerando o meu pedido incomum, é natural que o Padre Alejandro se sinta desconfortável em ouvir meu desabafo. Deus perdoaria seus filhos, correto? Claro que sim! Mas o nosso precioso livre-arbítrio possui um preço exorbitante. Admito que fui um pouco indelicado com meu amigo Alejandro, mas um servo de Deus tem que estar preparado para sua causa divina. Até mesmo em uma madrugada silenciosa como hoje. Preciso confessar os meus pecados, mas não preciso do perdão. Não sou tolo. Sei que o meu amigo vai guardar meu segredo.
Como sei disso? A boca dele vai ser um túmulo.
Olho para as frestas do confessionário. Eu me envergonharia, se fosse Alejandro. O suor dele fede à desespero.
— Você acredita mesmo na lei da semeadura, hombre de Dios? - os olhos dele miram minhas presas.
—Vale
— muy bien! Então você há de concordar comigo...
Eu poderia começar reclamando do meu pai humano que batia violentamente na minha mãe humana. Mas eu e ele sabíamos que ela merecia. Aquela adultera de merda. Porra! Como eu detesto traição! O pilar fundamental em qualquer relação é a confiança. A prostituta não aprendeu a lição e tentou matar o meu papai com ajuda do amante.
Conseguiu.
Eu tive que fugir para viver na miséria. Trabalhei com alguns amigos do meu falecido pai agiota. Para piorar a merda toda, muita gente devia muito dinheiro ao meu velho. E agora toda aquela quantia era minha por direito. Então eu virei um coelhinho que se escondia de lobos caloteiros.
Minha morte significava o perdão da dívida.
Me associei com os amigos mais leais que um homem poderia ter.
Confiança? Lembra?Consegui gente o suficiente para começar a recolher os créditos de homens que se deram bem com ajuda do meu velho e esqueceram de agradecer.
Eu arranquei cada "obrigado" que me era de direito.
Eu fiquei rico! Rico padre! O nome disso é trabalho duro e investimento. E o mais importante para os negócios... Amor! Ser generoso é uma ferramenta útil. Você sabe não é mesmo, o quanto eu investir e fiz doações para essa igreja. Os mendigos precisam comer. Alimente eles e a boca deles espalham a notícia que você quiser. Todos nós precisamos de uma imagem. Essa catedral está cheia delas e é por isso que dá certo.
Eu renasci.
Como?
Sabe as cobranças? Um homem chamado Ramiro Zenon estava no meio da minha lista. Muito dos meus, bateram na porta dele. Nenhum voltou com o dinheiro. Eu poderia deixar passar? Poderia! Mas esse tipo de atitude covarde mancha a Imagem de um hombre de negócios. Tive que apertar o cerco pessoalmente. O que eu conseguir? Renascer.
— Andarse por las ramas
— Temos a noite toda, padre Alejandro. Se me permite... HA! mas é claro que me permite. Vou lhe contar os detalhes. Precisamos deles.
Onde estávamos? Sim, sim! Para renascer, a morte é o primeiro passo. E o meu primeiro passo foi em direção de Ramiro. Ele assassinou todos os meus rapazes e me deixou para o gran final.
Primeiro: ele me viu como uma oportunidade.
Segundo: digamos que a minha única opção era se juntar a ele.
Terceiro: nós éramos idênticos, literalmente.
Você sabe porque os Faraós usavam maquiagem tão intensamente? Para se parecerem com seus pais, avôs, bisavôs... você me entendeu. Eis o segredo dos governantes imortais. Ramiro e eu tínhamos uma natureza parecida. Ele me ensinou alguns mistérios. E como fomos enganados. Ele me fez compreender os sete pecados capitais.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Cobrador
VampireCalixtos Vicenzo destila toda a sua ironia quando resolve se confessar para o padre Alejandro. O Vamipro relata sua trajetória da infância até as noites que perdeu sua humanidade. $$$$ Um prelúdio criado para uma mesa de Vampiro A Máscara