Capítulo 11- Esclarecem-se os Mistérios

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Nos dias que se seguiram, o estado de Arthur agravou-se bastante. Foi acometido por uma violenta crise de desgosto e de terror pelo seu cativeiro. A sua repulsa era tão intensa, que mal conseguia respirar e julgava que asfixiava. Assim permaneceu durante dois dias e uma noite, caminhando de um lado para o outro, completamente insone. Finalmente, a calma voltou, uma calma lúgubre, e, então, a febre apossou-se sorrateiramente dele.

 O sexto dia da semana estipulada por Blandois foi um dia quente e húmido. Clennam, de cabeça dorida e o coração depauperado, esperara que a noite findasse, escutando a chuva a tamborilar nas lajes do pátio. A prisão começava a despertar a pouco e pouco e conseguiu, depois de se arranjar, afundar-se na poltrona, numa espécie de sonolência que o delírio vinha interromper. Em determinada altura, perseguiu-o tenazmente a impressão de se encontrar num jardim florido, onde o vento espalhava aromas deliciosos. virou a cabeça e avistou sobre a mesa, um magnífico açafate de flores. Quem as poderia ter mandado? O quarto estava vazio e ignorava que horas deveriam ser. Pegou nas flores com as mãos descarnadas e levou-as ao rosto escaldante, para lhes aspirar o perfume salutar. Depois voltou a mergulhar na sonolência. De repente pareceu que, ligeiramente empurrada, a porta do quarto se abria e, um instante depois, surgia um pequeno vulto, envolto numa capa negra. Pareceu-lhe que a capa se desfazia e tombava no chão e nessa altura julgou estar a ver a Pequena Dorrit, envergando o seu velho e coçado vestido. Julgou vê-la tremer, unir as mãos, sorrir e desfazer-se em lágrimas. 

Despertou e deu um grito.

 A Pequena Dorrit encontrava-se ajoelhada aos seus pés, de olhos marejados de lágrimas:

 — Oh, meu melhor amigo! Querido senhor Clennam, espero que não vá chorar! A não ser de júbilo por me ver. Aqui estou eu de novo! 

Como ele a abraçava, afirmou-lhe: 

— Não me disseram que estava doente! 

— Será possível que esteja aqui E com esse vestido?

 — Pensei que o preferiria a outro qualquer! Só ontem cheguei a Londres com o meu irmão e imediatamente procurei saber notícias suas. Não pensou em mim na passada noite? Pois eu pensei em si com tanta inquietação! 

— Desde que me aqui encontro, Pequena Dorrit, penso em si todos os dias, a cada hora, a cada minuto! 

— É verdade! É verdade! 

E ao ver-lhe o rosto radioso, que corava de alegria, sentiu-se envergonhado, ele, o prisioneiro, o falido doente e desonrado.

 Ela tirou o seu velho chapéu e começou sem ruído, ajudada por Maggie, que trouxera consigo, a tornar o quarto tão fresco e tão limpo quanto possível. Mandou buscar fruta, bebidas frescas, frango assado, que dispôs sobre a mesa. Em seguida, tirou uma bolsa de costura e pôs-se a fazer um cortinado para a janela. E, então, a calma do quarto pareceu espalhar-se pela prisão inteira, Clennam sentado tranquilamente na poltrona e a Pequena Dorrit trabalhando ao lado dele. Vê-la ali sentada, modestamente inclinada sobre a costura, cumulando-o de todos os tesouros da sua inesgotável bondade, dava-lhe forças à alma e fazia aumentar o seu amor por ela. Porque amava-a agora, amava-a mais do que as palavras o poderiam exprimir!

 A escuridão envolveu-os, mas a Pequena Dorrit só se mexeu para se ocupar do preso, para lhe dar de beber ou endireitar-lhe o travesseiro. Quando terminou o trabalho, hesitou alguns instantes, depois pegou na mão de Clennam, dizendo: 

— Querido senhor Clennam, tenho que lhe dizer uma coisa antes de me ir embora. Tenho adiado de hora para hora, mas é forçoso dizer-lhe. 

— Também eu, querida Pequena Dorrit, tenho uma coisa para lhe dizer. 

A Pequena Dorrit- Charles DickensOnde histórias criam vida. Descubra agora