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Unhas pintadas de cinza, um pouco roídas; o salto alto descansava no canto da sala enquanto os pés descalços tomavam um ar em cima da mesa de mogno. A revista de música no colo, o fone de ouvido com música alta e as persianas fechadas cobrindo a imensa janela de vidro davam um ar de 'meu apartamento, minha bagunça' ao escritório de Hell. Veja bem, escritório. Nem mesmo as roupas sociais e comportadas que ela usava faziam dela uma pessoa mais séria, pois Helena Alves não poderia ser chamada de séria nem num velório. Ela tinha um tipo de coisa que a fazia rir nas horas mais inapropriadas.
Ela folheou a revista rapidamente: sua paciência acabara na metade da revista. Estava entediada, queria e precisava fazer algo menos calmo; queria sair e explorar a cidade que conhecia do L ao S, sua Londres. Queria tomar um espresso, se entupir de muffins de banana e bater papo com os atendentes da cafeteria só para passar o tempo, mas não podia. Estava em horário de trabalho. Apagou a luminária em cima da mesa, deixando o ambiente numa total escuridão, e levantou-se preguiçosamente, resmungando baixo pelos pés tocarem o chão um pouco frio.
Olhou o relógio da tela do computador e, graças aos céus faltavam apenas quinze minutos para considerar mais um dia de "árduo" trabalho finalizado. Calçou seus sapatos de salto. Quinze minutos para se dirigir até a Starcups, cafeteria do marido de uma amiga sua. Sim, você leu corretamente, é Starcups e não Starbucks. Sabe como é, gente de bem com a vida e com a criatividade em dia. Arrumou sua bolsa correndo, desligou o computador, trancou gavetas, checou as persianas, tudo com a maior lentidão possível presente no universo e pronto. Quinze minutos se passaram. Nada mais pôde impedir Hell de entrar em seu carro e correr para sua cafeteria favorita, de fazer sua coisa favorita: se empanturrar de besteiras e jogar conversa fora com gente conhecida E desconhecida.
- JUDDelícia, meu amor! - Helena falou num volume um tanto quanto alto, assim que entrou no estabelecimento de tamanho mediano. Judd, o cara que se encontrava limpando uma das mesas próximas à porta sorriu, ao contrário dos poucos clientes que conversavam sossegados e dirigiram um olhar levemente repreensor. Helena sorriu de lado como quem se desculpa e Judd riu.
- Poxa, lesa, você tá sumida! - o garoto, que não era mais tão garoto assim mas que agia como tal, disse, largando o paninho na mesa e abraçando-a fortemente. - O povo aqui tava com saudades!
- Eu sei. Sou incrível, imbatível, insubstituível e...
- ...E I-convencida, não?! - Judd brincou, rindo mais da cara incrédula da garota do que da própria piada.
- Sim, mas eu ia dizer inesquecível. E se me dá licença, vou ver meus outros amigos, os lindos. Você magoou meu coração, Judd. Reflita! - ele continuou rindo e a garota, não muito alta, seguiu até o balcão, dando passos duros, revirando os olhos e, bem, segurando o riso; ali, logo à frente, sua melhor amiga lhe esperava.
- Satie! Minha linda Satie! Você que não me abandona em momento algum, que me escuta, que é maravilhosa e que...cozinha bem! Senti sua falta! - ela disse, dramatizando com gestos e expressões exageradas e fazendo com que a amiga de olhos puxados risse.
- Hey! Sim, sei que devemos cortar formalidades. Seus muffins de banana já estão separados e quentinhos. - ambas sorriram.
- Pooxa, assim eu pareço até interesseira! - Helena fez biquinho, juntando as mãos como quem se autodenomina anjo.
- Todos aqui sabem que você não é. - Satie, atrás do balcão, sorriu, num misto de doçura e sarcasmo. - Mas então, alguma novidade?
- Não, não. Meus dias são sempre como numa creche: ou você tem caquinha na fralda ou tem leite derramado no chão! - Hell, ainda dramática, susurrou, com cuidado para nenhum cliente escutar a frase nem um pouco apetitosa. - Mas eu tenho uma coisinha pra você. Na verdade, pra você e pro insensível do seu homem. - continuou, agora em volume normal e remexendo sem sua bolsa.