Subindo o Pico do Papagaio - Ilha Grande-RJ

36 3 0
                                    

Publicado originalmente no blog 30 de passagem: www.30depassagem.wordpress.com


Os dois amigos acordaram bem cedo naquele dia, levantaram-se antes mesmo do próprio Sol. Sentiram o cheiro da natureza que lhes adentrava pelas narinas e, revigorados, partiram em jornada.

Ambos possuíam a mesma idade e estavam no auge de sua adolescência. E sua amizade crescia exponencialmente à medida em que passavam o tempo e as adversidades juntos. Sempre com sorrisos de encorajamento mútuo, um nunca deixava o outro esmorecer e, portanto, nunca esmoreciam ao mesmo tempo.

Roberto e Pedro eram seus nomes.

E aquele dia, em que tentariam subir o Pico do Papagaio da Ilha Grande, seria um teste de força de vontade e amizade.

Os rapazes seguiram pela trilha inicialmente larga que seguia em direção à uma bela praia da Ilha, chamada Dois Rios. Em muitos momentos fizeram suas pausas, tanto para descanso quanto para curtirem a vista, até o momento em que saíram do caminho principal e iniciaram, enfim, a subida para o Pico.

E foi aí que, finalmente, iniciaram os desafios.

A trilha se mostrou uma subida íngreme, em mata fechada. Os meninos sentiram o cansaço tomar-lhes o corpo em poucos minutos de subida, ainda que tenha afetado a um mais que ao outro.

Pedro ficou para trás em pouco tempo, mantinha sua respiração e ritmos de seus passos irregulares. Até que, em menos de quinze minutos de subida, entregou os pontos. Roberto, à frente, retornou em direção ao amigo.

‒ Vai indo na frente, Roberto... Vou parar e dar uma respirada aqui pois não aguento mais.

Roberto, com uma sorriso que beirava o sarcasmo, retrucou:

‒ Nada disso! A gente começou isso juntos. Ou subimos nós dois ou desistiremos.

Pedro, juntando sua vontade de conseguir terminar a trilha com o medo de decepcionar seu grande amigo, inspirou fundo e prosseguiu, sem dar mais uma palavra. E ouviu de seu companheiro de viagem:

‒ Isso aí! Foca em dar passos grandes e controlar a respiração. Este é o segredo. Vai valer a pena!

Sentindo como se fosse uma ordem médica, Pedro tratou de cumprir as recomendações. Inspirava e expirava contando o tempo e tentava dar os passos mais largos que podia.

Em pouco tempo, venceu o cansaço inicial. E começaram a ouvir os sons estranhos.

Parecia que uma multidão de seres sobrenaturais estava em guerra e gritando uns contra os outros. E parecia ser muito perto de onde estavam.

‒ São Bugios ‒ Disse Roberto ‒ São uns macacos que medem mais de meio metro! Parece que estão perto, mas estão muito longe... Provavelmente não veremos um deles sequer.

Pedro acreditou não acreditando. O som produzido por esses animais era surpreendentemente alto para estar tão longe assim. Em um misto de assustado e intrigado, prosseguiu a longa e árdua subida.

Por muitas vezes, Pedro sentiu vontade de desistir. Por iguais vezes, Roberto encorajou-o a prosseguir, repetindo o mantra: Vai valer a pena!

E, depois de mais de duas horas subindo, finalmente chegaram ao topo. Ansiosos e eufóricos, galgaram os últimos metros para o fim da trilha, um descampado no topo do monte, com enormes rochas, em que duas delas formavam o famoso formato de Bico de Papagaio.

Excitados pela linda vista que teriam à frente, onde poderiam ver ambos os lados da Ilha ‒ tanto a parte chamada "Oceânica" quanto a "Continental", cujos nomes faziam referência a qual lado da baía se encontrava ‒ não puderam conter a decepção ao perceber que não conseguiam ver coisa alguma. Para qualquer lado que olhavam, havia apenas a névoa que lhes cobria a vista.

Desacreditados, sentaram-se em uma grande pedra, cada um absorto em seus pensamentos. Ainda que a "conquista" do Pico fora bem sucedida, não apreciar a linda vista, tão prometida por todas as pessoas que os antecederam nesta trilha, deixou aquele momento com um sabor amargo de derrota.

Até o momento em que o vento levou embora a grande nuvem que pairava exatamente no topo do pico...

Com os olhos eufóricos, divisaram as maravilhas daquela Ilha. Para todo lugar que olhavam, só havia o verde e os azuis, nas mais diversas formas. O céu estava limpo, exceto por aquela única nuvem que resolveu assustá-los mas com o intuito de fazer tudo ficar ainda mais prazeiroso.

Pedro agradecia mentalmente por tudo o que a natureza lhe mostrava e pelo apoio que seu amigo lhe prestara. Um olhar de mútua confiança e amizade dizia alto e claro:

Valeu a pena.

***

Esta história foi baseada em fatos reais. Na verdade, com exceção dos nomes, toda a narrativa ocorreu de fato. Os jovens citados são amigos até hoje, 15 anos depois... E nem tão mais jovens assim.

IntrospectoOnde histórias criam vida. Descubra agora