— Uma jovem de vinte anos deveria ter um guarda-roupa mais colorido — resmunguei ao examinar meu armário, sem conseguir decidir qual dos vestidos escolher: o rosa-claro, o azul-claro, o amarelo-claro, o verde-claro? Ou será que eu deveria optar por um creme? Quem sabe um dos inúmeros e sempre iguais brancos?
Já fazia mais de dois quartos de hora que eu estava ali abraçada aos joelhos, sentada ao pé da cama sobre os lençóis brancos com bordados cor-de- rosa, sem chegar a conclusão alguma.
— O que acha, Bartô? Algum deles parece interessante?
O gato preto ergueu para mim os olhos amarelos desalinhados e começou a lamber a pata.
— Eu concordo. — Soltei um suspiro.
Todos eles eram semelhantes. Foi por isso que não me dei o trabalho de ir ao ateliê de madame Georgette e encomendar mais um vestido pálido para a festa daquela noite. Pensando bem, assim como meu quarto rosado e branco, eles combinavam com minha vida sem graça.
Não que eu estivesse me queixando. Apenas gostaria de que, de vez em quando, o ponto alto do meu dia não fosse um chá da tarde. Claro que a ironia não me passou despercebida, já que eu estava justamente contemplando minhas opções para um baile.
Eu não me sentia inclinada a ir. Fazia muito tempo que eventos como aquele tinham deixado de me empolgar. Entretanto, era o aniversário da sra. Moura, e ela decidira oferecer um baile de máscaras para comemorar. Eu até havia ajudado na escolha do cardápio e na decoração. Como poderia recusar o convite da mãe da minha melhor amiga sem ofendê-la?
Eu me estiquei para pegar a caixa com a máscara, sobre a mesa de cabeceira laqueada, e a analisei: branca, forrada de uma renda delicada e com minúsculas pérolas bordadas aqui e ali.
— Um dos vestidos brancos, então.
Separei o traje que eu usara para ir à ópera no mês anterior — um com mangas curtas diáfanas e pérolas diminutas formando desenhos florais na barra da saia — e, em um ataque de rebeldia, decidi prender apenas parte do cabelo, permitindo que as delicadas e espessas ondas negras me caíssem nas costas.
Minha nossa. Como eu podia ter uma vida tão enfadonha, a ponto de o simples fato de não prender o cabelo poder ser considerado uma rebeldia?
Está bem. Talvez eu estivesse me queixando um pouco. É que parecia que algo importante estava acontecendo na vida de todo mundo. Exceto na minha.
Sofia, minha cunhada — que eu preferia chamar de irmã, tamanha minha afeição por ela —, enfrentava diariamente um novo desafio em sua fábrica de cosméticos, além de cuidar das filhas e da administração da casa. Meu irmão, Ian, estava sempre imerso em documentos, ou no estábulo, ou então entretendo minhas sobrinhas. Já não lhe sobrava tempo para se dedicar aos pincéis. Até mesmo Teodora tinha o que fazer: além de administrar a própria casa, minha melhor amiga tinha o pequeno Thomas para ocupar seus dias.
Quanto a mim? Ah, eu bordava muito bem, pintava demais — a ponto de já não sentir prazer algum em me sentar diante da tela — e lia. Lia tanto que me flagrei pensando em qual dos mundos eu passava mais tempo: o real ou o imaginário. Ah, sim! Eu também tocava piano e harpa. Ultimamente eu escolhia as composições mais complexas, apenas para ter um desafio e fazer o tempo correr mais depressa.
Por muito tempo eu administrei a residência da família. Ian e eu perdemos nossos pais muito cedo e ficamos por conta própria. Cuidávamos um do outro desde que eu tinha nove anos. Então, nós crescemos, Ian e Sofia se conheceram, se apaixonaram e, depois de alguns contratempos, se casaram. Ela relutou em assumir seu papel de senhora da casa, mas acabou cedendo, se acostumando e se saindo muito bem. Fazia tempo que ela já não precisava de minha ajuda nesse departamento. De início, pensei que fosse gostar de ter um pouco de tempo livre, levar uma vida sem tantas responsabilidades, como a maioria de minhas amigas. Mas a verdade é que não demorou muito para que eu ficasse entediada.
Às vezes eu sentia que não tinha exatamente uma vida. Eu respirava, meu coração batia — apenas isso. Eu queria mais! Queria poder ser de alguma importância para alguém, fazer a diferença no mundo, deixar ao menos uma marca nele. Eu duvidava de que, quando meu nome fosse mencionado ao longo da história, alguém dissesse: "A srta. Elisa Clarke? Oh, sim! Que grande dama! Sabe arrematar um bordado como ninguém!"
Sendo justa, algo realmente surpreendente acontecera comigo três anos e meio atrás. Uma experiência tão incomum e extraordinária quanto pertubadora: viajei para a cidade de Sofia. Por acidente, conheci aquele mundo confuso e maravilhoso. Tive a chance de vislumbrar o futuro, e aquilo ficará gravado em mim enquanto eu viver. Tudo o que eu vi e vivenciei naquele lugar alterou minhas crenças e minha vida para sempre.
Mas, nos últimos tempos, meus dias eram exatamente iguais. Eu tinha que encontrar um propósito na vida, só não fazia ideia de onde ele poderia estar escondido. Já havia revirado minhas ideias, e nenhuma delas parecia nem remotamente excitante.
Deixei as divagações de lado e terminei de me vestir. Assim que fiquei pronta, abri a porta. O gato passou tão rápido que minhas saias balançaram.
Ao chegar à sala de estar, encontrei meu irmão e Sofia já prontos, à minha espera.
— Pensei que tivesse desistido, Elisa — Ian reclamou. — Até Sofia ficou pronta antes de você.
— Ei! Isso não é justo. — Sofia, lindíssima em um vestido verde profundo brilhante que destacava ainda mais seus fios dourados, revirou os olhos. — Eu sempre demoro pra me arrumar porque você fica me atrasando.
Um canto da boca de Ian se ergueu, ao passo que um olhar que eu já deveria ter me habituado a ver — mas que ainda me fazia corar — reluziu em seus olhos negros como ônix. Não fui a única mulher naquela sala a ficar com o rosto vermelho.
— Desculpe, Ian. — Ajeitei as luvas para poder desviar o olhar e assim dar a eles um pouco de privacidade. — Tive problemas com o guarda-roupa.
— O que aconteceu? Uma das portas emperrou?
— Não é desse tipo de problema que ela tá falando. — Sofia me avaliou de cima a baixo, um largo sorriso lhe curvando a boca. — Você está um arraso, Elisa.
Minha irmã às vezes dizia coisas assim, que pareciam sem sentido. Não fazia tanto tempo que eu descobrira a verdadeira razão disso.
— Obrigada, Sofia. Você também está linda. Foi nesse instante que o sr. Gomes entrou na sala, apressado, uma carta sobre a bandeja de prata.
— O mensageiro acabou de entregar.
Minha pulsação ameaçou enlouquecer conforme ele se aproximava. Era sempre assim. Toda vez que uma carta chegava, meu coração entrava em colapso. Foi com muito custo que o obriguei a se manter estável. Ora, era ridículo ficar toda alvoroçada com uma simples correspondência, que, na maioria das vezes, não continha mais de duas linhas.
Entretanto, a carta não era para mim. Ian a abriu e começou a ler enquanto o mordomo se retirava, com muita elegância, levando a bandeja sob um dos braços.
Ao terminar a leitura, Ian dobrou a carta e a guardou no bolso de seu traje preto, bufando feito um dos cavalos ariscos que domava.
— O que foi? — Sofia tocou seu braço. — Más notícias? — O sr. Albuquerque mudou de ideia — contou ele.
— Eles não vão mais se mudar? — arfei.
— Não, Elisa. Perdoe-me. Não foi o que eu quis dizer. O sr. Albuquerque não mudou de ideia quanto a isso, mas com relação à venda da casa. Eu pretendia comprá-la, mas, como Walter falara primeiro com o advogado a respeito dos trâmites, o sr. Andrada já tinha um comprador em vista e fechou o negócio antes que eu pudesse fazer a oferta.
— Ah. — Minha esperança se esvaiu. Sacudi a cabeça. — Ainda não acredito que Valentina vai se mudar. Os Albuquerque já estavam ali quando vovô comprou a nossa propriedade. Apesar de Valentina ser dois anos mais velha, ela e eu crescemos praticamente juntas. Minha amiga sempre esteve a dez minutos e duas cercas de distância. Agora iria para longe, e eu a veria apenas uma ou duas vezes ao ano, com sorte.
— Também não entendo o que levou o sr. Albuquerque a tomar tal decisão — comentou meu irmão. — A propriedade é produtiva. A casa, uma das melhores da região. De fato, não compreendo.
Mas eu sabia que ele estava mentindo. Todos na vila conheciam o motivo pelo qual o sr. Walter de Albuquerque decidira mudar de ares. Miranda, sua nova mulher, não conseguira o respeito dos empregados, que tratavam Valentina como patroa. Miranda se enfurecera a ponto de esbofetear uma das camareiras, que tinha se atrevido a consultar minha amiga a respeito da compra de talco para as damas da residência. Miranda anunciara ao marido que iria embora e levaria Félix, o filho do casal. Em vez de contratar uma nova equipe de empregados — que a respeitasse, e não a Valentina —, Walter preferiu levar a nova esposa para viver em outra parte do país, onde a memória de Adelaide, sua falecida primeira mulher, não os assombrasse. Valentina ainda não sabia para onde iriam, e não estava nem um pouco feliz com o arranjo.
Nem eu. Nada seria como antes sem ela por perto.
Eu acabava de colocar a capa sobre os ombros quando nossa governanta apareceu na sala.
— Oh, como estão bonitos! — Madalena colocou a mão sobre o coração. — Srta. Elisa, parece um anjo de tão linda! Mas por que não me disse que pretendia usar este vestido? Eu teria engomado as saias!
A sra. Madalena — desde 1832, sra. Gomes — estava conosco havia muitos anos, antes até de Ian e eu nascermos. A mulher de baixa estatura e formas arredondadas era mais que uma simples criada para mim. Ela estivera a meu lado, me consolando de todas as maneiras que podia, depois que mamãe partiu deste mundo sem aviso. E fizera o mesmo quando a pneumonia levou papai, pouco tempo depois. Ela e seu marido, o sr. Gomes, eram parte da família.
— Obrigada, sra. Gomes. Me decidi ainda agora. Estão engomadas o suficiente.
— As meninas já estão na cama? — Sofia perguntou a ela.
— Não. — Madalena piscou, sem entender. — Pensei que estivessem aqui, sra. Clarke. Foi por isso que vim. Para ficar com elas.
Sofia e Ian se entreolharam. Meu irmão soltou um profundo suspiro e se manteve calado por alguns segundos.
— Estão escutando isso? — questionou, um tempo depois. — Não ouço nada — respondi. — A casa está silenciosa.
— Exatamente! — Sofia ergueu as saias e saiu correndo.
Como Ian a seguiu a passos largos, achei melhor ir ver o que estava acontecendo. Eles abriram e fecharam portas, examinando cômodo por cômodo, até que meu irmão se deteve em seu escritório.
— Meu... Deus... — E soltou uma pesada respiração.
— O que foi? — Sofia passou pelo batente sem hesitar. — Ai, meu Deus!
— Elas estão bem? — perguntei, me apressando. Assim que entrei no aposento e pude dar uma olhada no que estava acontecendo, compreendi a perplexidade de ambos. — Oh, meu bom Deus!
— Minha nossa! — ouvi Madalena arfar mais atrás. — Acho melhor... colocar água para ferver.— Creio que seja uma boa ideia — falei, os olhos presos na cena. — Vamos precisar de muita água e paciência para limpar essas duas.
Marina e Ana Laura estavam sentadas no tapete usando suas roupas de dormir. O pote de nanquim tombado entre elas criara uma imensa mancha viscosa sobre a tapeçaria. Nina, do alto de seus quatro anos e meio, tinha uma pena na mão, com a qual rabiscava diversos papéis. Pela expressão horrorizada de meu irmão, suspeitei de que fossem documentos importantes. Laura, de quase três, cantarolava baixinho e preferia usar as mãozinhas como carimbo, estampando os documentos, as próprias roupas e as da irmã. Bartolomeu as observava do sofá de couro negro, parecendo não se importar com a bagunça.
Minha sobrinha mais nova foi a primeira a perceber nossa presença.
— Eu pintanu! — Laura afastou os cabelos claros dos olhos. Uma larga faixa preta se formou em sua testa.
— Eu tô escrevendo uma carta — contou Marina. — Que nem a mamãe faz.
— Nos contratos dos arrendatários. — Ian se agachou ao lado dela, examinando um dos documentos.
— Quanto você está furioso? — Sofia cochichou, tentando ajudá-lo a salvar alguns poucos papéis.
— Essa daí é pra mamãe — contou Marina. — Mas essa é pra você. Diz "O papai é o melhor do mundo".
Ian esfregou a testa, meio rindo, meio gemendo, os olhos ainda no contrato, agora arruinado por uma profusão de pingos, riscos e marcas de dedos. — Menos do que eu deveria — Ian disse a Sofia, então fitou sua primogênita. — É uma carta muito bonita, Marina. Obrigado. Mas... da próxima vez você deve perguntar se pode usar um dos meus papéis. Estes eram muito importantes.
Nina ergueu os enormes olhos castanhos para ele, soltando a pena imediatamente.
— Foi ideia do Bartô. — Esfregou as mãos na camisola de dormir, arruinando-a de vez.
— Meu Deus! — Cobri a boca com a mão, tentando abafar o riso. Sofia também estava tendo problemas para manter a expressão séria.
— Baitô. Baitô. Baitôôôôô... — cantarolou Laura, continuando a empapar as mãos na tinta e a pressioná-las nos contratos.
Analu — como Marina chamava Ana Laura desde o instante em que a vira pela primeira vez — era apaixonada pela irmã, sendo plenamente correspondida, e seguia Nina pela casa o dia todo. Nina, por sua vez, adorava fazer explorações e meter as duas em encrenca.
Elas eram muito parecidas e, ao mesmo tempo, tão diferentes. Os traços eram semelhantes, uma mistura perfeita de Ian e Sofia. Mas Nina tinha os cabelos escuros como os do pai e tão selvagens quanto os de Sofia. Era inquieta, destemida e adorava estar sobre um cavalo. Analu, com seus fios claros formando delicados anéis nas pontas e os olhos azuis no mesmo tom dos meus, tinha um ar mais angelical, era doce e tímida. Não existiam crianças mais inteligentes, lindas, bem-educadas e carinhosas em todo o mundo, disso eu estava certa.
Ora, é claro que eu era louca por elas. Minhas sobrinhas eram tudo para mim. Ambas tinham meu coração em suas mãozinhas. Eu faria tudo por aquelas duas. Sacrificaria qualquer coisa — até mesmo minha felicidade — para mantê-las a salvo e felizes. E, de certa maneira, era isso que eu andava fazendo nos últimos três anos, não era?
Laura olhou para mim e sorriu, fazendo as covinhas em suas bochechas se acentuarem.
— Pare, Analu — fiz com os lábios.
— Poi quê? — Ela inclinou a cabeça para o lado.
Ao ouvir sua voz, o gato pulou no tapete e veio se esfregar no cotovelo dela. Ana Laura era a preferida de Bartolomeu. O gato dormia aninhado a ela todas as noites. Tecnicamente ele era meu, mas desde o nascimento de Laura eu o perdera para a menina. E não o condenava. Era impossível não se apaixonar pela doçura de Analu. Antes que o animal subisse no colo dela, eu o peguei pelo dorso e o coloquei para fora do escritório. Tudo de que não precisávamos era que ele sujasse as patas e saísse redecorando a casa.
— Nós sabemos que não foi ideia do Bartolomeu — repreendeu Ian. — O que vocês fizeram foi errado. E o mais importante é que existem coisas muito perigosas neste escritório. — Meu irmão relanceou a prateleira mais alta da estante, onde guardava a caixa de pistolas. — Que vão para o cofre imediatamente.
— Vocês poderiam ter se machucado. Isso seria muito ruim — explicou Sofia, esfregando a testa da caçula. O risco preto se transformou em um sombreado. — Acho que vou ter que deixar vocês duas de molho na banheira. De novo!
— Prometam que não vão mais entrar no meu escritório quando estiverem sozinhas — insistiu Ian.
— A gente prometemos. — Nina suspirou. — Desculpa, papai. — É nós prometemos — ajudei. Marina andava tendo problemas com a concordância. — Bem, então está tudo resolvido. Não é necessário deixá-las de castigo, é? Porque não seria nem um pouco justo. Elas não sabiam que não podiam brincar aqui, não fizeram por mal. E estão muito arrependidas, não é verdade? — perguntei às meninas.
Nina assentiu com firmeza. Analu, muito pequena para compreender o que estava acontecendo, olhou para mim, indecisa. Eu a incentivei, balançando a cabeça afirmativamente. Ela imitou o gesto.
— Aí está! — sorri. — Podemos esquecer esse assunto.
Os olhos negros de Ian se estreitaram em minha direção. Não me permiti desviar o olhar. Ora, ele podia dizer o que quisesse, mas não era certo castigar as meninas se elas não foram informadas de todas as regras.
— E depois dizem que são as avós que estragam as crianças... — murmurou Sofia. Pelo canto do olho, eu a vi morder o lábio para conter o riso enquanto apanhava um calhamaço de documentos que pingavam tinta.
— Pra você. — Marina pegou uma das folhas rabiscadas e entregou para a mãe. — Tá escrito "A melhor mamãe do mundo é...".
— "... a mamãe!" — completou Laura, se virando e segurando o rosto dela entre as mãos para sapecar um beijo estalado em seu nariz. As marcas perfeitas da palma da menina estamparam as bochechas de Sofia, como asas de borboleta.
Ian e eu acabamos rindo.
— Bem, está claro que não poderemos comparecer ao aniversário da sra. Moura. — Meu irmão tirou o paletó, o jogou no sofá e começou a enrolar as mangas da camisa. Eu estava quase suspirando de contentamento quando ele acrescentou: — Você terá que representar a família, Elisa.
Oh, quanta alegria ir ao baile sozinha...
Aquela noite ficava cada vez menos atraente.
— Por favor, se desculpe com os Moura, Elisa. Explique que tivemos dois pequenos contratempos. — Ian brincou com os cabelos de sua primogênita.
— Farei isso. Não devo chegar muito tarde.
— Tia Elisa, espera! — Marina se levantou, um contrato pressionado contra o peito. — Vem, Analu. — Estendeu a mão para a irmã e a ajudou a ficar de pé. As duas pararam diante de mim. — Essa é pra você, tia.
O documento estava coberto por uma porção de linhas incompreensíveis. Mas ao centro, no ponto em que dezenas delas se entrelaçavam, uma forma ficou muito nítida. Um coração.
— Diz... — começou.
— Eu sei. Nina e Analu amam a tia Elisa — sussurrei, emocionada. — E eu amo vocês. Muito!
— Quase acertou. Tá escrito "A Nina e a Analu amam muito..."
— "... a tia Liiiiiisa!" — completou Analu, pulando sobre mim. Ian foi mais rápido e a pegou no ar, antes que as mãozinhas encharcadas de tinta alcançassem meu vestido branco. Pensando que se tratasse de uma brincadeira, a menina gritou de alegria. — Qué bincá de pega-pega, papai?
Ian deu risada, ajeitando-a no colo.
— Talvez mais tarde, meu amorzinho. Quando você e sua irmã não estiverem mais parecendo um mata-borrão.
Sofia ficou de pé, colocando sobre a mesa do marido os papéis que tinha amontoado, e olhou para mim. — Você não parece muito animada — comentou, depois de uma rápida avaliação.
— E não estou. Já não estava empolgada antes, quando pensei que vocês iriam. Imagine agora. Se não fosse aniversário da sra. Moura, acho que iria inventar um mal-estar qualquer.
— Eu sou a última pessoa a querer defender um baile. — Recostando os quadris na mesa, ela apoiou as mãos no tampo. — Mas, Elisa, você só tem vinte anos. Sei que não é exatamente a melhor das baladas, mas tente se divertir mesmo assim. Você anda muito quietinha nos últimos dias. Tô ficando preocupada.
— Não fique, Sofia. Só estou perturbada com a partida de Valentina.
Seu rosto foi encoberto por uma sombra.
— Até eu estou. E sei exatamente como é fo... go ter que se separar de uma amiga. É como se um pedaço da gente ficasse com ela. Mas, por mais que a distância seja dolorosa, não é o fim. A amizade verdadeira sobrevive a tudo, Elisa. A distância não é capaz de destruir o amor. Acredite em mim. — Ela olhou para Ian, as íris castanhas cintilando.
Como se pressentisse o rumo que os pensamentos dela tomavam, Ian a encarou. Algo profundo e muito íntimo se passou entre eles, e eu tive que desviar o olhar.
Sofia entrara em nossa vida cinco anos antes, no fim do verão de 1830. Ela e meu irmão se apaixonaram instantaneamente. No entanto, após pouco mais de uma semana, ela desapareceu da mesma maneira misteriosa que surgiu. Na época eu não sabia que ela tinha retornado para o tempo em que vivia, quase duzentos anos à frente do nosso. Nenhum dos dois conseguiu lidar muito bem com a separação, porém, e a distância de dois séculos só fez os sentimentos crescerem ainda mais. Depois de ter visto o mundo dela com meus próprios olhos, sua decisão de escolher Ian e abandonar tudo o que conhecia para viver no pacato e nem um pouco moderno século em que eu nasci ganhara ainda mais significado. E me emocionava profundamente. Meu irmão a pediu em casamento na noite em que ela retornou para o nosso tempo, e desde então — entre um problema e outro — eles viviam plenamente aquele amor, interligados de uma maneira que eu jamais imaginei possível.
Sempre que presenciava a interação entre eles — como se um fosse capaz de ler os pensamentos do outro —, eu me pegava avaliando minha vida amorosa, e então uma tristeza imensa me invadia. Eu nunca experimentaria um amor como aquele. Não mais. Não depois de tudo o que acontecera.
— Bom, as coisas logo vão se ajeitar — Sofia piscou, como se saísse de um transe, se endireitando. — Aposto que a última coisa que Valentina quer agora é que você fique triste por causa dela. Promete que vai tentar se divertir esta noite?
— Prometo, Sofia.
Satisfeita com a resposta, ela voltou a recolher a bagunça, tomando cuidado para não manchar o vestido. Como eu já estava atrasada, me despedi e corri para a entrada da casa. No meio do caminho, entretanto, ouvi as botas de meu irmão batendo no assoalho de madeira, então o esperei.
— Elisa, eu sei que você ama as minhas filhas. — Ele coçou a testa. — E isso me deixa muito feliz. Honestamente! Mas como eu e Sofia poderemos educá-las se você intercede por elas toda vez que as duas aprontam alguma travessura?
— E de que me adianta ser tia se não for para mimá-las? — devolvi, fazendo-o apertar os lábios; se para deter o riso ou uma imprecação, não tive certeza. — Não se preocupe, Ian. Você e Sofia estão fazendo um trabalho maravilhoso com elas. — O meu escritório discorda — brincou. No entanto, ele rapidamente se recompôs, assumindo uma postura grave. — E quanto a você?
— O que quer dizer? — perguntei, cautelosa.
— Não parece muito contente, Elisa.
Diante do meu histórico em bailes nos últimos anos, não era assim tão surpreendente que eu não me sentisse feliz. Além do mais, eu estava um pouco cansada do falatório, de ter que responder sempre as mesmas perguntas.
E existia um terceiro motivo para minha falta de entusiasmo. O mais importante e também o que mais me afligia. Apenas pensar em seu nome me lançava em um turbilhão de emoções. Por isso eu evitava a todo custo qualquer conversa na qual seu nome pudesse ser proferido. Doía demais ouvi-lo. Em um baile, me esquivar do assunto se tornava praticamente impossível.
Para não trazer ainda mais preocupações a meu irmão, forcei um sorriso e disse parte da verdade:
— Não se preocupe comigo, Ian. Só estou triste com a partida de Valentina, e, infelizmente, não há nada que você possa fazer.
Se houvesse algo, ele faria. Eu não podia imaginar que existisse um irmão mais cuidadoso ou dedicado que o meu. Eu o amava de todo o coração. Seis anos mais velho que eu, Ian tinha herdado de papai muito mais que a altura e os cabelos escuros: assumira as rédeas da propriedade e a responsabilidade pela nossa família quando não passava de um garoto. Ocupara todos os postos antes comandados por John Clarke, criando e treinando os cavalos — sua grande paixão —, cuidando do estábulo, das terras onde vivíamos e das arrendadas, de minha educação, de mim. Sobretudo de mim! Ele teve que crescer muito cedo.— Eu sei. E lamento muito — falou em voz baixa. — Mas tente se divertir esta noite. Ficar abatida não vai fazer o sr. Albuquerque mudar de ideia.
— Sei disso. E já prometi para a Sofia que vou tentar me divertir. Mas creio que será um esforço árduo. Desconfio que será mais um baile enfadonho, em que nada de novo acontece.