Era uma vez um pobre homem que tinha quatro filhos; quando já estavam crescidos, disse-lhes:
- Meus caros filhos, já é tempo de que cuideis de vossa vida; ide pois pelo mundo afora. Eu nada tenho para vos dar; portanto, viajai para algum país estrangeiro e aprendei um ofício que vos permita viver honestamente.
Os quatro irmãos despediram-se do pai, tomaram dos bordões e, juntos, saíram da cidade. Andaram algumas horas e chegaram a uma encruzilhada de onde partiam quatro estradas divergentes. Então, Pedro, que era o mais velho, disse aos irmãos:
- Agora 6 melhor separarmo-nos; cada qual irá para um lado tentar fortuna: daqui a quatro anos, no mesmo dia e na mesma hora de hoje, devemos nos encontrar neste mesmo lugar.
Cada qual seguiu por um caminho. O mais velho logo encontrou um homem, que lhe perguntou aonde ia e o que tencionava fazer.
Vou à procura de um ofício - respondeu o moço.
Pois bem, - disse o homem, - vem comigo e
aprenderás o ofício de ladrão.
- Não, não, - respondeu Pedro; - essa é uma profissão pouco honrada e, no fim da festa, acaba-se feito badalo de forca.
- Oh, - retorquiu o outro, - não deves temer a forca; eu te ensinarei, somente, como deves fazer para apropriar-te de objetos mais escondidos em lugares onde ninguém poderá ir no teu encalço.
Pedro deixou-se persuadir e, nessa escola, tomou-se logo tão hábil na arte de roubar, que nada mais estava em segurança desde que o desejasse.
O segundo, que se chamava João, também encontrou um homem no seu caminho, que lhe perguntou para onde ia e o que desejava aprender.
- Vou à procura de um ofício, mas ainda não sei qual.
- Então vem comigo e aprenderás a ser um bom astrônomo; não há coisa melhor; nada haverá de oculto para ti.
João aceitou e seguiu o mestre. Após algum tempo, tornou-se astrônomo perfeito e, quando apto a cuidar de si, quis continuar a viagem; o mestre fez-lhe presente de um telescópio, dizendo;
Com este aparelho poderás ver tudo o que ocorre na Terra e no Céu, e nada poderá ficar oculto de ti.
O terceiro irmão, chamado José, entrou como aprendiz em casa de um caçador, que tão bem lhe ensinou tudo o que se relacionava com a arte de caçar, que ele se tornou caçador perfeitamente adestrado e insuperável. Quando terminou o aprendizado, despediu-se do mestre e este presenteou-o com uma espingarda, dizendo:
- Esta espingarda nunca falha; com ela acertarás qualquer alvo.
Miguel, o mais moço dos quatro irmãos, por sua vez encontrou um homem que lhe fez as mesmas perguntas, e lhe sugeriu:
- Não gostarias de aprender o ofício de alfaiate?
- Não é do meu agrado, - respondeu o rapaz; - não me entusiasma a ideia de ficar o dia inteiro curvado com uma agulha na mão!
- Qual nada! - respondeu o homem; - isto é o que pensas; comigo aprenderás uma arte muito diversa. Uma arte digna e muito apreciada, mesmo honrosa!
O rapaz convenceu-se; seguiu o mestre e acabou por se tomar um alfaiate de primeira ordem e muito hábil. Findo o tempo de aprendizado, despediu-se e o mestre presenteou-o com uma agulha, dizendo:
- Com esta agulha, podes coser seja lá o que for; quer seja mole como um ovo ou duro como o aço, a emenda ficará tão perfeita que ninguém a poderá distinguir.
Entretanto, os quatro anos passaram e, no dia marcado, os quatro irmãos encontraram-se no lugar combinado. Cheios de alegria, abraçaram-se e beijaram-se, dirigindo-se depois para a casa do pai. Este ficou radiante ao tornar a vê-los:
- Que bom vento vos trouxe novamente à casa? - disse muito satisfeito.
Os filhos contaram-lhe, então, todas as peripécias ocorridas com eles e a espécie de ofício que tinham aprendido. Estavam justamente sentados à sombra de uma frondosa árvore que havia em frente da casa, e o pai, querendo certificar-se sobre o que diziam, propôs:
Desejo pôr à prova a vossa habilidade. Lá em cima, no topo da árvore, entre dois galhos, há um ninho de pintassilgos; dize-me, meu filho, - falou o pai dirigindo-se ao segundo, - podes dizer-me quantos ovos há dentro dele?
João, o astrônomo, pegou na luneta, dirigiu-a para a árvore e disse no fim de alguns segundos:
- Há cinco.
- Tu, - disse o pai ao mais velho, - vai retirar os ovos, mas sem incomodar o pássaro que lá está chocando.
O ladrão perito trepou pela árvore acima e, sem incomodar o pássaro, que nada percebeu, retirou os cinco ovos que estava chocando e trouxe-os para o pai, que os colocou sobre a mesa, um em cada ângulo e o quinto no centro. Dirigindo-se ao terceiro filho, disse:
- Quanto a ti, tens de os furar pelo meio, com um só tiro da tua espingarda.
O caçador apontou a espingarda e furou os ovos exatamente como lhe pedia o pai, acertando todos cinco com um só tiro. (Com certeza ele possuía aquela espécie de pólvora que dobra as esquinas!)
- Agora a tua vez, Miguel - disse o pai. - Com tua famosa agulha tens de coser as cascas dos ovos e os passarinhos que estão dentro de maneira que o tiro não os prejudique.
O alfaiate pegou a agulha e costurou tudo como exigia o pai. Quando terminou Pedro tornou a ir pôr os ovos no ninho tão de leve que o pássaro não se apercebeu e continuou a chocar; alguns dias depois os filhotes saíram da casca como se não tivessem sido furados, e tinham uma listrazinha vermelha em volta do pescoço, no lugar onde o alfaiate fizera a costura.
- Muito bem, - disse o pai, - só posso fazer os melhores elogios. Aproveitastes bem o vosso tempo, aprendendo com perfeição. Não sei a qual hei de dar o prêmio da destreza; veremos isso quando tiverdes oportunidade de empregar a vossa arte.
Algum tempo depois, o país estava todo em alvoroço, porque a filha do rei tinha sido roubada por um dragão. O rei, tremendamente aflito, mandou anunciar que aquele que a trouxesse de volta, casaria com ela e, mais tarde, herdaria o trono.
- Eis uma ótima ocasião para nos distinguirmos, - disseram os quatro irmãos; - procuremos juntos salvar a princesa.
- Vou saber já onde ela se encontra, - disse o astrônomo.
Foi buscar a luneta e, olhando cm todos os sentidos, disse:
- Estou vendo-a; está sentada sobre um rochedo, no meio do mar, distante daqui muitas léguas; o terrível dragão está montando guarda junto dela.
Apresentaram-se ao rei e pediram-lhe um navio; assim que o obtiveram, puseram-se a navegar em direção ao rochedo. A princesa continuava lá sentada e o terrível animal, deitado ao lodo dela, dormia com a cabeça no seu regaço. O caçador disse:
- Nessa posição em que se encontra, não posso atirar, pois mataria também a princesa.
- Deixe isto por minha conta, - disse o perito ladrão.
Saltou para terra, esgueirou-se sorrateiramente e retirou a princesa, tão habilmente e com tanta destreza, que o monstro não se apercebeu e continuou roncando.
Radiantes de alegria, carregaram-na correndo para bordo e, soltando todas as velas, fizeram-se ao largo.
Mas o dragão, despertando pouco depois e não vendo mais a princesa, saiu a persegui-los, rugindo furiosamente pelo espaço. Quando já pairava por cima do navio e ia precipitar-se sobre os fugitivos, o caçador apontou-lhe a espingarda e atingiu-o em pleno coração. O monstro despencou, fragorosamente, sem vida; mas era tão colossal, que ao cair despedaçou completamente o navio.
Felizmente, eles conseguiram agarrar-se a algumas tábuas e ficaram flutuando no vasto mar. Contudo, o perigo era imenso, mas o alfaiate, sem perder tempo, pegou a agulha prodigiosa e, num abrir e fechar de olhos, coseu solidamente os destroços do navio, recolheu nele toda a ferragem, cosendo-a muito bem nos respectivos lugares. Executou o trabalho com tanta habilidade que, em breve, o navio ficou em condições de navegar e assim puderam voltar para casa.
Ao ver a querida filha, o rei ficou transportado de alegria e disse aos quatro irmãos:
- Cumprirei a promessa. Um dos quatro a receberá por esposa, mas, qual será, deveis decidi-los entre vós.
Então rebentou entre eles tremendo litígio, porque cada qual tinha as suas pretensões. O astrônomo dizia:
- Se eu não tivesse descoberto com a minha luneta onde se encontrava a princesa, todas as vossas artes teriam sido vãs; portanto sou eu que a devo desposar.
- De que serviria saber onde ela estava, - protestou o ladrão, - se eu não a tivesse subtraído ao dragão? Portanto, ela é minha.
O caçador, por sua vez, dizia:
- Qual nada; o monstro teria devorado vós todos e mais a princesa, se o tiro de minha espingarda não o tivesse matado; por conseguinte ela pertence-me.
- E se eu, com a minha agulha prodigiosa, não tivesse recomposto o navio, teríeis todos perecido afogados; portanto, ela tem ser minha.
A discussão já ia longe, quando o rei interveio.
- Na verdade, todos têm igual direito à mão de minha filha e, como ela não poderá casar com os quatro, nenhum a terá. Em compensação cedo-vos a metade do meu reino para que o partilheis entre vós.
Essa decisão agradou plenamente os irmãos, que exclamaram:
- E' bem melhor assim antes que vivermos em desarmonia.
Assim, cada qual instalou-se nos seus ricos domínios, vivendo muito felizes. O pai ia, alternadamente, passar três meses em companhia de cada um dos filhos, ficando todos satisfeitos, enquanto o bom Deus o permitiu.
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Contos de Fadas Clássicos
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