Rua de prata

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-Xeque-mate! -falo com as sobrancelhas arqueadas em sinal de provocação

- Não valeu, Liza, não valeu mesmo. Você roubou enquanto fui ao banheiro. -tia Sula fala cruzando os braços

-Nem vem. Você sempre dá essa desculpa quando perde, admita que sou a melhor jogadora de xadrez do mundo e pronto. - provoco-a enquanto guardo as peças do tabuleiro

- Ta bom então né, fazer o quê. Agora vai dormir que já está tarde. - Ela falou fechando a porta

- Tia ? - Chamo e ela abre a porta novamente

- Pois não?

- Você acha que na escola nova, eles já sabem o que fiz com a Vanessa? Acha que vão me isolar como fizeram na County?

- Eu... eu não sei, mas, acho que não sabem, ainda nem começaram as aulas. Não se preocupa, você não teve culpa e sabe disso, é o que importa, agora durma, senhorita Elizabeth Wolff. - ela fala e tenta disfarçar uma lágrima que caiu do seu olhar esverdeado . Ela fechou a porta quando percebeu que eu a fitava.

Elizabeth Wolff. Eu realmente não gosto do meu nome. Por que? Não sei, talvez porque me traga à memória momentos tristes em que ele foi pronunciado, como àquela noite em que perdi meus pais; a última vez que vi a professora Rose do órfanato; a carta do meu ex namorado Pedro; e, quando a Vanessa quase morreu.
Quando eu tinha seis anos, eu morava com meus pais em Silver Street, rua turística localizada na região sudoeste de Cambridge. Imagino que você saiba que traduzindo, Silver quer dizer prata e Street rua, então nomearam este magnífico ponto turístico de "rua de prata" , talvez por ser tão valiosa ou simplesmente porque ficaram sem ideia e acharam interessante envolver algo valioso no nome, quem sabe. Deviam pelo menos ter dado o nome de "rua esmeralda" , para combinar com o verde esplêndido desse lugar, apenas acho. Sempre amei esse lugar,e como não amar? A bela ponte de Cambridge atravessava Silver Street, que era cercada por bosques, seus canais e pequenas casas tipicamente arquitetadas. Morar em Silver Street era como viver em um filme romântico,onde todos os dias, vê-se casais nos canais em barcos, inundados de amor e pessoas felizes andando para lá e para cá registrando cada momento. Eu me sentia a criança mais sortuda e feliz do mundo. Mas, um dia isso mudou ... Era noite e chovia muito, quando meus pais foram ao meu quarto para me dá um beijo de boa noite como costumavam fazer. Minha mãe me abraçou muito forte, sussurrou : "minha pequena Liza" e passou sua mão em meu rosto, contornando-o. Meu pai se aproximou e disse : " Durma bem, Elizabeth Wolff!" Então saíram do meu quarto. Minutos depois,havia parado de chover, o que me permitiu ouvir o barulho do carro do meu pai ligando, eu estava sonolenta, por isso não liguei pro fato deles estarem indo passear sem mim e dormi. Quando eu acordei, procurei por eles , mas não havia ninguém na casa, além de mim, então pensei que talvez eles tivessem ido pra casa da tia Sula -irmã do meu pai- aí começou a chover novamente e eles tiveram que dormir por lá, então esperei...Esperei... Continuei esperando... Já eram 5h da tarde e eu ainda esperando, estava faminta, felizmente encontrei alguns biscoitos e iogurtes. 7h da noite, nada dos meus pais chegarem ! Eu estava com medo, nunca tinha ficado sozinha em casa. Fui até a cozinha pegar mais biscoitos, mas tinham acabado, então eu gritei : "Mãe , precisa comprar mais biscoitos ... Mãe?" Foi quando lembrei que eles não estavam lá e comecei a chorar. Não conseguia parar, "por que estão fazendo isso comigo? Eu sou uma boa menina" era só o que eu conseguia pensar! Depois de tanto chorar, acabei adormecendo ali mesmo, no chão da cozinha. Amanheceu, acordei com uma mão macia e bastante gelada sacudindo meu ombro, era a tia Sula! Levantei quase correndo e fui direto para a porta da sala, com certeza meus pais estariam lá fora guardando o carro,mas, quando cheguei lá fora,não havia ninguém. Quando me virei, minha tia estava chorando e disse : " Querida, você precisa ser forte... Seus pais estão no céu agora, viraram anjos! Mas sempre estarão no seu coraçãozinho"
Eu podia ser apenas uma garotinha de seis anos, mas, naquele momento,entendi que nunca mais iria vê-los, nunca mais iria sentir o doce perfume da minha mãe e nunca mais pularia nos braços do meu pai para ele me levantar o mais alto possível. De imediato, não chorei, pois ainda não estava acreditando. Minha tia não me disse em nenhum momento como e onde eles tinham morrido, apenas tirou um hambúrguer enorme de uma sacola plástica e me ofertou, o devorei em pouco tempo. Depois, me mandou tomar um banho e colocar uma roupa bem bonita pois uma moça me visitaria no fim da tarde. Como minha tia falou, a moça veio. Ao descer do carro, cumprimentou minha tia, que logo lhe entregou umas malas que,logo suspeitei que fossem minhas roupas, então a moça falou : "vamos Liza?" E eu olhei assustada para tia Sula que disse : "olha Liza, essa moça te levará para um lugar lindo e cheio de crianças! É onde você vai morar por enquanto, eu prometo que vou te buscar depois e ficaremos juntas, mas agora preciso que você a acompanhe." Eu balancei a cabeça em discordância e tia Sula gritou "pode levar", foi quando um homem alto e forte saiu do carro e me pegou em seus braços, comecei a espernear, gritar e a bater no homem, que me jogou no banco de trás do carro e trancou a porta. A moça entrou no carro e o homem começou a dirigir. Pelo vidro pude ver minha tia entrando em minha casa e eu batia no vidro enquanto as lágrimas encharcavam meu pequeno rosto. Logo chegamos em um lugar enorme, era lindo como minha tia havia falado, tinha uma placa com alguma coisa escrita, mas, eu ainda não sabia ler, então só enxergava um monte de risco preto num pedaço de madeira. Eu não estava mais chorando,na verdade, estava encantada com o colorido lindo que àquele lugar tinha, mas principalmente com um pequeno lago de águas cristalinas que havia alí, não se comparava aos enormes lagos de Cambridge, mas era igualmente amável . No gramado, havia algumas menininhas brincando de "chá da tarde" e do lado, outras crianças correndo atrás de uma bola branca cheia de listinhas, sorri, esquecendo por um instante o que havia acontecido. A mulher que tinha me levado para aquele lugar, me levou até o quarto das meninas, era bem brega, confesso! Desenhos de flores cobrindo as paredes e todo o quarto, inclusive o chão, era tingido de rosa. Na época eu achei um máximo, claro, toda criança adora a cor rosa e todas essas "coisas fofas", a menos que sejam meninos,óbvio. De repente senti um abraço e me assustei, era uma mulher bastante alta e muito bonita. Ela era loira, de pele pálida igual a minha, se apresentou como Rose, disse que ela é a responsável por ensinar as crianças á ler e escrever e , como eu já tinha chegado no orfanato no meio do ano, as outras crianças já estavam avançadas e engatinhando na leitura, enquanto eu não sabia nada pois nunca havia ido pra escola, então, ela ficaria me dando aulas particulares, para que eu aprendesse rápido e acompanhasse os outros. Olhando pra trás, àquele orfanato parecia mais um Colégio interno, a única diferença era que toda semana, pessoas iam lá para adotar alguma criança.
Passaram-se alguns meses e , por mais que eu não quisesse uma nova família, eu me entristecia quando via alguma criança sendo adotada e eu continuaria lá. Nunca acreditei que àquela mulher que se dizia minha tia fosse mesmo me buscar um dia.
Rapidamente me apaguei a professora Rose. Na verdade, ela era a única pessoa que eu gostava naquele orfanato,e, a única que gostava de mim. Quando fiz 8 anos, a Rose chegou para mim e fez um discurso, mas só lembro das últimas frases ditas por ela : " Para cada escolha, há sempre uma renúncia. Nem sempre a escolha que você fizer fará a renúncia valer a pena, mas isso dependerá de você. Hoje faço uma renúncia por algo que escolhi, espero que um dia você entenda o que eu quis dizer, Elizabeth Wolff"
Depois disso ela saiu da sala e nunca mais voltou. E quando eu digo "nunca mais" , não estou exagerando. Nunca soube que escolha foi essa que ela fez, mas nada justifica o fato dela ter me abandonado daquela forma, foi muito difícil pra mim,eu a considerava minha segunda mãe e agora não tinha mais nenhuma. Dois anos depois, minha tia finalmente me adotou, havia se passado mais de 4 anos desde aquele dia doloroso em que perdi meus pais, tive que sair da minha casa e morar num lugar com gente completamente desconhecida. Demorei um pouco pra me readaptar à Rua de Prata e à perdoar minha tia por ter deixado me levarem daquele jeito, mas o que eu podia fazer? O jeito era continuar na minha casa, sem os meus pais, morando com a minha tia que me mandou para um orfanato em Londres, há 80km da minha cidade,me deixou lá por um bom tempo e fingir que nada aconteceu e que minha vida era uma vida completamente normal e adequada para uma criança. Mas, (in) felizmente eu sobrevivi e aqui estou.

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