Para qualquer lugar

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E ela se jogou naquele assento como uma criança se joga nos braços da mãe, porém em seu rosto não havia um resquício de felicidade, na verdade, não havia nada ali. Suas energias haviam desaparecido fazia muito tempo e aquela talvez fosse sua última tentativa de continuar. Em seu peito nada mais batia, apenas um vento frio uivava.

Ele quis baixar seus olhos e utilizar de palavras que pudessem reviver o que uma vez já fora uma garota animada, mas sabia que o poder de sua fala era tão inexistente quanto a esperança dela.

Ela fechou a porta com um estrondo; tentava aquietar as vozes de sua mente com o barulho externo, fones de ouvido e algumas drogas. Tentava encher o vazio que sentia com compras inofensivas em um cartão de crédito devedor. Procurava sentir algo por meio de cortes profundos escondidos nas mangas de sua camiseta preta. A maquiagem preta lhe escorria pelo rosto pálido, lágrimas misturadas com a leve garoa que aquela cidade tão grande e tão solitária tinha como marca registrada.

"Me leve para qualquer lugar. Ou melhor, apenas me leve para algum lugar com pessoas alegres e vivas."

Ele sabia que não poderia recusar um pedido daqueles, então apenas ligou seu pequeno carro, roubado de um pai agressivo, e começou a dirigir pelas ruas estreitas moldadas com paralelepípedos daquele centro histórico. Eram prédios atrás de prédios, porém nunca ultrapassando daqueles oito andares que a lei permitia para a região.

Ela observava as luzes da cidade com um olhar monótono, sua boca se retorcia.

"Algum lugar específico?" Ele havia finalmente encontrado sua voz, embora a mesma não passasse de uma rouquidão pouco compreensível.

Os olhos escuros dela vagavam pelas pessoas que andavam na calçada, os guarda-chuvas erguidos ao alto, coloridos e escuros. Aqueles olhos negros raramente se fixavam nos deles, apenas em momentos tão raros...

"Ah!" Soltou, como um suspiro cheio de dor. "Qualquer lugar. Eu não ligo, eu não ligo... Simplesmente não ligo."

Ele apenas assentiu, naqueles dias era ela quem tudo comandava. Ele nunca entenderia o que se passava naquela cabeça confusa e cheia de planos quando esses dias chegavam, apenas que seu perturbador instinto suicida não se importaria com o que quer que ocorresse naquela noite. Poderiam ser atropelados por um ônibus, ela não se importaria. Poderiam ser esmagados por um trem, ela acharia um prazer.

Desde que ela estivesse distante, desde que ela estivesse vendo as luzes e as pessoas daquela cidade solitária. Desde que ela estivesse com ele.

Desde que aquela luz nunca mais desaparecesse.

Para qualquer lugar [CONTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora