Você passou pela porta do meu – antes nosso – apartamento sem sequer olhar para trás. Ainda não sei como me surpreendo com sua frieza. Eu o amei com a mesma intensidade do começo ao fim... Não foi fácil te ver ir embora.
Em poucos instantes, me vi indo ao oitavo andar, no apartamento da dona Maria, a simpática e solitária senhora que sempre gostou das minhas visitas. Ela está na cozinha, e me oferece uma torta de amora. Foi o tempo de subir no parapeito da janela e te ver andando lá em baixo na calçada não tão movimentada. Salto de lá, e caio em cima de você como uma bigorna cai em cima de um cartoon qualquer.
É engraçado que não sinto dor. Morrer por você não me parece doer. E posso dizer que nem a dor de te ver partir eu sinto mais. Nós dois, num inevitável abraço, deitados no chão, a espera de um resgate, ignorando todo o pânico do pessoal que passa por nós. Eles não entendem um amor tão profundo, não é?
Nossos corpos são removidos em conjunto, porque um amor assim é difícil de separar, e somos levados a um lugar gelado e silencioso. Eu sei que é o necrotério. Quando a gente tá morto, a gente sabe dessas coisas... Perfeito!, assim podemos curtir apenas um ao outro, sem qualquer interferência! Não poderia ser mais romântico!
Só nós dois, num lugar apertadinho, pois não precisamos de muito mais do que isso... A etiqueta no meu dedão do pé incomoda um pouco, a sua também? Bom, não é algo a se preocupar...
Ah não, me tiraram de você! Você ficou no nosso cantinho enquanto homens de branco me levam para outro lugar, mais iluminado e mais gelado... Aquilo me machuca, tamanha tristeza de estar longe; me machuca mais que o bisturi do legista me abrindo para descobrir o óbvio: eu morri por você.
Você passou pela porta do meu – antes nosso – apartamento sem sequer olhar para trás. Ainda não sei como me surpreendo com sua frieza. Eu o amei com a mesma intensidade do começo ao fim... Não foi fácil te ver ir embora.
Penso subir para o oitavo andar, mas ao invés disso, abro a geladeira, tiro de lá aquela torta de amora que eu fiz pra você e você sequer provou, e a como inteira no jantar.
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Oitavo andar
Short StoryConto inspirado na música de Clarice Falcão. Participante do @ProjetoBrasil ( http://my.w.tt/UiNb/OkfwZbmzDA ) Qual o seu nível de amor?