CORES
Em seu quarto a pequena – para sua idade – Branka penteava seus longos cabelos lisos. Vossos olhos eram refletidos em um espelho ornamentado na cor prata, estavam opacos e distantes. Seus dedos longos e finos seguravam sua escova que alisava a mais de três minutos uma mesma mecha de cabelo. Era óbvio que a menina queria ganhar tempo, porém, tristemente, sabia de suas obrigações. Devolveu a escova sobre a penteadeira esbranquiçada e se levantou da confortável poltrona, entretanto, revestida de couro original que possuía essa mesma cor. Aliás, seu quarto era completamente mórbido, as grossas paredes eram cinzas, todos os móveis além de transmitirem aconchego não possuíam nenhuma outra cor que não fosse a mesma da neve, todos os milhares de fios das roupas de cama formavam um dégradé do branco até a tonalidade azul anil e nem mesmo a cortina de cor chumbo havia escapado do nuance gélido.
Repousadas sobre o recamier de capitonê no final da cama haviam dois delicados pares de sapatilhas; um par na cor creme coberto por pequenas flores vermelhas e laranjas bordadas com fios de seda, estas mesmas foram ponderadas pela jovem, porém foram postas novamente em sua caixa e guardadas em um canto de seu armário. O segundo par aparentava ser nada demais, oferecia o tom de azul acinzentado com um grande floco de neve bordado por fios brancos de algodão sobre a ponta e a sensação era de que seus pés iriam esfriar ainda mais se as colocasse. Todavia, foram essas mesmas que ela calçou. A contragosto, com uma expressão fechada em seu rosto de porcelana.
Sobre sua cama um sobretudo azul celeste de lã escovada estava a sua disposição. Nada com muita cor. Seu pai, O General, não gostava. E todos que ali vivessem deviam seguir as regras do homem de nome Amargo, as cores espalhadas pela casa não eram uma exceção, tudo por ali possuía tons de azul, branco, preto e cinza. A única coisa que fugia do tom era uma fotografia de setenta e cinco por cento e vinte centímetros de sua mãe, ornamentada por uma guarnição de bronze suspensa na frente da escada, onde ela, sorridente, usava um vestido vermelho de crepe em uma festa que estivera com seu pai antes de Branka ter nascido. A garota não sabia o porquê da obsessão de seu pai por cores, mas aparentemente sua mãe era a única imune a isso.
Após checar-se no espelho uma última vez e constatar que estava no mínimo apresentável sem parecer, – como seu pai sempre a orientava – um arco íris, considerou deixar seu quarto. O cômodo que havia sido inteiramente seu por dezesseis anos, que lhe proporcionara refúgio e segurança quando necessitou e que agora seria apenas uma lembrança de quatro paredes sólidas. Seus olhos marejaram com a ideia de passar dois anos longe da vida que havia construído na capital, contudo ser vista chorando por seu pai e viajar com seus glóbulos oculares vermelhos não era benquisto. Fechou seus olhos amendoados de cílios úmidos e inspirou fundo limpando qualquer sinal de tristeza de sua mente. Antes de fechar a pesada porta de madeira quase negra, pescou um porta retrato com a réplica da foto de sua mãe com o vestido vermelho, porém com um tamanho muito menor e guardou em uma de suas malas. Encostada no alto batente da porta ela olhou lentamente para cada canto de seu quarto se despedindo de toda e qualquer célula. Naquele instante seu coração pesava.
Com suas malas em mãos, seus passos pelo corredor até o andar de baixo eram silenciosos e leves, como os de um elefante. Se pudesse e não invocasse com sua maturidade daria meia volta e se trancaria no quarto, mas ela não podia e pareceria ter cinco anos de idade, além de irritar Gorki, O General. Seu pai estava na sala. Ela podia ouvir. O barulho da televisão enquanto reproduzia hóquei no gelo o delatava, pois quando não estava sentado em sua poltrona de couro preto assistindo todos os jogos no enorme televisor no meio da sala, fossem em tempo real ou gravados amadoramente por ele, estava dando ordens a qualquer ser que possuísse cordas vocais, estudando estratégias para o exército ou então perdido em pensamentos no meio do enorme jardim de cravos atrás da fortaleza e moradia dos Serov.
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O Amor É Azul
WerewolfQuando o General Gorki, pai de Branka, é solicitado em uma missão do exército russo, ela é mandada para viver com sua tia em uma das cidades mais frias do mundo; Yakutzk. Em meio às lendas, mistérios e magia da pequena cidadezinha, Branka desenvolve...