Fogo e Martelo

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Ele era fogo. Faísca contínua que fugia das chamas constantes. Gasolina era preciso, para reativar seu próprio organismo. Latas e engrenagens, era sobre isso o que ele ouvia do criador, de dentro da oficina.

Martelo batia. Fogo derretia. Ferro moldado em brasas vivas.

Ele tinha uma pequena noção. Sua mente trabalhava friamente apesar de todo aquele calor. Mesmo se fios o ligassem a alguém, jamais saberia ao certo o que pensar ou em como sobreviver como um humano.

Fogo e martelo o moldavam. E o seu criador quando machucava o dedo, sangrava. Podia ouví-lo com seus próprios ouvidos de lata. O criador bebia muito durante as madrugadas. Falava do amor quando estava feliz. E falava do amor quando estava triste. Chorava quando lembrava-se de quem amou e sorria quando quem um dia amou retornava, mesmo que brevemente.

Ele via o seu criador todos os dias, também com os seus olhos de lata. Não entendia como as coisas mais simples se tornavam tão difíceis. E até mesmo quando ele recebeu um nome, não conseguiu distinguir se o merecia.

Robô.

Um nome tão bonito para alguém tão não-vivo e frio.

Quando o criador dormia, ele ouvia, com toda clareza e leveza, aquele coração.

Ouvia com os ouvidos de lata.

Algo nele estava estranho, uma engrenagem havia se soltado ou um parafuso falhado? Perguntou para si mesmo como não sabia o que acontecia consigo mesmo. Como podia ele, um ser bem feito, ter algum defeito?

Quando o dia raiou, o robô esperou que o criador acordasse, e o reajustasse.

O problema é que aquilo não foi suficiente, porque na noite seguinte, sentiu aquela sensação novamente. O ar preenchia o espaço entre suas engrenagens, e ele logo notou que para ser inteiro, precisava de carne.

Carne ele não tinha. Só o ferro rangendo na noite fria.

E a cada dia o criador sorria. Passava cada hora cuidando da sua obra-prima. O robô perfeito, feito sem erros. Sem dor, sem amor. Sem felicidade e nem tristeza. A obra-prima da depressão.

E por dentro, o robô sentia, que nem a si mesmo se pertencia. Então esperou e ansiou a partir daquele dia, que o criador desse a ele o que mais queria.

Um coração, para que pudesse sentir a própria tristeza de ser um robô.

Esperou enquanto os anos se passavam, manteve sua paciência, como a chama da mesma faísca que um dia o criou. Esperou tanto que mal notou que os anos, passaram-se num sopro rápido doentio. O criador morreu, tão velho e humano, exatamente como deveria ser.

O robô não chorou, porque não podia. E então, desfez suas próprias engrenagens como se assim fosse o seu coração, também parando de bater.

Se desfez em partes, em pedaços mal feitos dele mesmo. Sentiu que algum dia sentiria. Acreditou nas suas próprias mentiras.

Nada era eterno agora ele sabia. Nem ele mesmo.

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Obrigada por ler! Você também sente sentimentos feitos de faísca? Se sim, repasse estes sentimentos, chame mais alguém para ler ❤😊

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