Embora eu não soubesse naquela época, seu nome era Dalila; nome que combinava perfeitamente com sua aparência dócil e fragilizada. Poderia ser confundida com uma boneca, se assim quisesse, pois a única coisa que lhe diferenciava de qualquer outra era o olhar penoso que não conseguia esconder, visto que os cabelos morenos ondulados e os lábios sutis completavam a imagem quase utópica. E lá, entre bananas, maçãs e uvas, que eu a encontrei.
Suas mãos franzinas recolhiam uma fruta de cada qualidade. E embora esse gesto pudesse parecer habitual, o sorriso ao pegar cada fruta indicava que aquela situação fugia da probabilidade de uma ação costumeira. Não era apenas uma moça comprando frutas. Era uma moça que se alegrava comprando-as. Como disse anteriormente, encontrei-a entre bananas, maçãs e uvas, mais precisamente em um supermercado. Não demorou que ela notasse meu olhar intrigado, ao vê-la passear entre os balcões. Aproximou-se, junto de seu carrinho abarrotado, e se dirigiu a mim. Pediu se eu sabia onde ficavam os peixes. Assenti, pedindo se ela gostaria que eu lhe mostrasse o caminho e, com sua resposta positiva, peguei minha pequena cesta de compras e a levei até o local. Durante o trajeto, confidenciou-me que nunca havia provado salmão, e que hoje seria o dia. Falava sem temor, como se fôssemos velhos amigos e eu possuísse imensa curiosidade a respeito de sua vida. O que eu tinha, de fato. Ela era singular e, se não, estava passando uma fase especial de sua vida. Ou eu estava apenas inventando desculpas por me impressionar com a beleza de uma desconhecida em um supermercado.
— Se importa se eu fizer uma pergunta? — a questionei, após ela agradecer pela ajuda.
— Diga.
— Qual o motivo das frutas? — apontei com a cabeça para o carrinho de compras, sem precisar explicar mais que isso. Ela segurou um riso e respondeu, dando os ombros:
— Eu nunca as provei.
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ela já estava escolhendo seu salmão. Dei as costas e não a vi mais durante aquele dia e nem os próximos.
Dizer que pensei nela no intervalo de tempo em que não nos encontramos seria exagero e mentira. Continuei minha vida, fui ao trabalho, toquei meu violão, beijei algumas garotas e dispensei outras. Ri, fiquei bravo e se duvidar, até chorei. E, então, um dia a vi novamente; sentada sozinha no meio-fio de uma calçada, a Bíblia nas mãos, os olhos tristes no rosto e o sorriso contrastante também. Parecia concentrada, portanto não sabia se lhe dizia oi e a lembrava de quem eu era, ou simplesmente seguia em frente, fingindo que era apenas uma estranha. Afinal, ela realmente era isso.
— Olá. — disse ela, subitamente.
— Ah, oi! — respondi, assustado, pois havia escolhido ignorá-la. — Pensei que não lembraria.
— Eu notei você me olhando há metros de distância. — riu, um riso comedido e encantador, deixando-me levemente envergonhado.
— Sinto muito por isso, então. — dei os ombros. — Religiosa? — apontei para o que suas mãos seguravam. Ela negou com a cabeça.
— Estava apenas fazendo uma leitura. Se eu acredito em Deus? Acho que sim. Não tenho certeza. Como ter, não é? Algum dia saberemos. — levantou-se, fechando a Bíblia. — Estou indo pelo mesmo caminho, quer companhia? — pediu, arqueando a sobrancelha.
Assenti sem reação, ao vê-la, pela segunda vez, expor sua vida sem se importar com o ouvinte, ou com o fato de ele poder ou não ser confiável. No caso, eu.
A moça guardou o livro na bolsa e veio até a mim. Andamos lado a lado em silêncio, por um tempo. Ela olhava para todos os cantos, cumprimentava as pessoas que passavam pela rua, embora eu imaginasse que ela nunca as havia visto na vida e não perdia o bom humor; mesmo que os olhos, como no outro dia, contrariassem o corpo fervoroso de gestos espontâneos e o rosto tomado por uma sutileza afável.