Single chapter

251 29 52
                                    

Era tarde, as sombras tremulavam conforme o Sol ia se pondo por detrás dos grandes prédios, as folhas das árvores farfalhavam conforme o vento começava a ficar mais forte, conforme o carro acelerava a paisagem mudava, as grandes construções eram substituídas por pequenas casas, moradias simples, pessoas felizes, silêncio, por detrás das cortinas fechadas, famílias jantavam em silêncio e agradeciam aos seus deuses pela comida, mas conforme o Sol ia se pondo as sombras iam tomando conta, quando as pessoas fechavam os olhos, as coisas saíam do controle.

O carro parou em frente à um casarão, era velho e parecia abandonado, não fazia sentido, eles me mandaram embora para encontrar uma fortuna, um baú cheio de diamantes e ouro, diziam eles, mas a casa parecia viva. Eu estava sozinha, os corredores ecoaram e o piso de madeira gemeu sob o peso do meu corpo, os móveis empoeirados estavam cobertos por lençóis brancos e encardidos, os minutos se arrastavam como horas, eu não podia dormir, as sombras ainda tremulavam nas paredes, os galhos das árvores lá fora batiam e arranhavam as janelas, a casa era fria e parecia pequena demais pra mim.

Na sala havia um lindo espelho, sua moldura em prata polida era o único brilho daquele lugar, era inevitável não conseguir parar de olhar para ele, e apesar de eu estar completamente imóvel e sem expressão, meu reflexo abriu um sorriso malicioso e dolorido, aquilo parecia tão sádico. Baixei o olhar, se eu não conseguia ver o meu reflexo então ele também não me veria, talvez fosse uma boa idéia subir para um dos quartos e descansar, mas os corredores eram escuros e úmidos, algo espreitava na escuridão, talvez monstros e demônios, talvez apenas meu medo ecoando nas paredes de madeira fria. Não dormi, os móveis cheiravam a mofo, apenas me sentei sozinha na cama até o amanhecer e choramingando "eles estão vindo até mim", eu tentei guardar estes segredos dentro de mim, minha mente é como uma doença fatal.

...

Tudo dentro de mim parecia se expandir, eu não conseguia mais pertencer ao meu corpo, à minha alma, àquela casa, à minha mente, eu era maior do que os meus demônios agora. Podia ouvir gritos do lado de fora, andei até umas das janelas e fitei as crianças do lado de fora, na rua, correndo e gritando por causa de uma bola, uma das apontou na minha direção e começou a sussurrar com os amigos, estavam falando de mim, era como se eu pudesse ouvir suas vozes, mesmo de tão longe, cortando os meus tímpanos e me arrancando a paciência, antes que me desse conta, estava do lado de fora da casa, gritando com as crianças; o que eu estava fazendo ali?

─ Por favor pare, você está me assustando. ─ Todas as crianças gritavam, eu gritei de volta, o que está acontecendo? Eu não consigo evitar ela energia terrível dentro de mim, as crianças estão certas, deveriam ter medo de mim.

Não era eu quem estivera gritando com aquelas crianças, era a minha voz, meu corpo, minha mente, mas com certeza não era eu. Eu sou maior do que o meu corpo, eu sou mais fria do que esta casa, eu sou mais cruel que meus demônios, eu sou maior do que estes ossos, mas quem está no controle? O que há de errado comigo? O que há de errado com esta casa? Por que há tantos sons? Tantos vultos? Tantas sombras? O pânico tomava conta, minha mente não podia suportar, isso tudo queima como veneno.

A ansiedade fazia eu querer gritar, mas as paredes me reprimiam e intimidavam, havia algo dentro de mim que estava pronto para sair, eu ainda não sabia o porquê de estar ali, eles me mandaram embora para encontrar uma fortuna e eu encontrei desespero, eles disseram que haveria diamantes e ouro e, ao invés de riqueza, eu encontrei melancolia. Aquela casa era recheada de dor e eu não posso evitar esta terrível energia.

...

Era noite. Era dia. Era um ciclo de dias intermináveis, eu andei por horas sem fim, tudo ali me assustava e eu não podia sair daquela casa, o menor dos sons se tornava motivo de alerta, seria mentira dizer que eu não me assustava fácil, meu único passatempo era encarar o belo espelho da sala, meu reflexo ainda me provocava, fazia gestos para mim, mexendo lentamente os lábios e me revelando segredos que eu não queria saber, minha cabeça doía e eu me sentia desconfortável, havia algo dentro de mim querendo sair e eu não podia suportar a pessoa dentro de mim. Virei todos os espelhos ao contrário.

Era impossível dormir naquele quarto, escrevia minhas experiências em um diário, nas páginas do final haviam muitos esboços da casa, no chão estavam dezenas de páginas rasgadas, as vozes que dominavam aquele cômodo eram incessantes e eu as conhecia muito bem. Os vilões que vivem na minha cama e na minha mente, me atormentando dia e noite, eles me imploram para escrevê-los, para que eles nunca morram quando eu estiver morta. Deveria imortalizar em letras cursivas algo tão perturbador? Talvez, assim desta forma, alguém em algum lugar possa reconhecer a minha dor.

Saí da casa mais uma vez, disposta a pedir perdão para as crianças que assustei, elas apenas correram e gritaram, o pedido de desculpas ficou entalado em minha garganta e foi substituído por palavras de ódio contra as crianças indefesas. Não posso evitar esta energia terrível, minha única solução era voltar para aquela maldita casa. Deitei no sofá e fechei os olhos, esperando que o sono me alcançasse e minha mente se desligasse por apenas um único minuto, ansiava por um pouco de tranquilidade.

Aquele foi um sono sem sonhos, tranquilo, ou talvez nem tanto. Acordei com as minhas mãos cobertas de sangue, o espelho da sala jazia no chão, estilhaçado. As vozes já não sussurravam mais, elas gritavam comigo, me ensurdecendo e enchendo a minha cabeça com puro ódio. O sofá da sala, minha cama e as cortinas estavam em farrapos, com pedaços espalhados por todos os cômodos da casa. Minhas roupas estavam rasgadas e meu cabelo completamente bagunçado. Meus sapatos, agora sujos de lamas, marcavam o chão e haviam pegadas minhas por toda a casa. O que eu fiz? O que aconteceu? Agora o desespero tomava conta de mim. Quem está no controle?

ControlOnde histórias criam vida. Descubra agora